quarta-feira, 27 de maio de 2015

Rogério e o Benfica



Poderá afirmar-se, com pouco ou nenhum exagero, que a vida de Rogério Narciso, ou simplesmente, de Rogério, – que ainda há dias completou 63 anos - surgiu e sempre decorreu numa espécie de ligação simbiótica com o Sport Lisboa e Benfica. Certamente que o seu caso não é único neste país que tanto se identifica com este clube. O Benfica, nasceu, cresceu e consolidou-se como grande clube desportivo, porque cedo soube identificar-se com a idiossincrasia – a alma –  da grande maioria dos portugueses, da qual recolheu a sua generosa  energia, mas também graças à iniciativa, à resistência e ao engenho de inúmeros “carolas” e animadores – como aliás é tradição entre nós. Carolas e animadores dos quais Rogério é, nesta altura, um exemplar clássico.

O Benfica transformou-se num fenómeno especial, mesmo a nível mundial. A singular originalidade de se ter identificado com o povo português tornou-o numa referência até para aqueles que em Portugal não são benfiquistas. E o seu exemplo frutificou um pouco por todo o lado - no pais e até no estrangeiro -, mesmo entre os seus adversários.
O Benfica é – ainda hoje - uma espécie de “alter ego” para muitos portugueses, e há razões objectivas para que assim seja. Especialmente nos três primeiros quartos do século passado, a vida foi particularmente difícil para o povo português, que teve de trabalhar duramente para lograr sobreviver. Enfrentaram-se várias guerras e a miséria crónica, que assolou o país  por décadas, empurrou os portugueses para a emigração que era feita em condições penosas para países distantes e por vezes hostis.  A gente portuguesa vivia carenciada por algo genuíno e próprio, que lhe devolvesse o orgulho nas suas raízes, que lhe ajudasse a suportar as inúmeras humilhações, saudades e desgostos, que tinha que suportar. Algo que lhe pusesse em alta a sua autoestima continuamente debilitada pelos longos períodos de dificuldades, pela depressão associada à pobreza, pelo sentimento de marginalidade, e até de humilhação que teve de suportar. O Benfica foi o fenómeno que ressuscitou “magriços”, forças e orgulhos esquecidos e ajudou os portugueses a suportar as durezas da vida. Houve, claro, outros fenómenos, estimulantes, aglutinadores, mas nenhum teve a projeção, a extensão  e a dimensão que o Benfica atingiu.

Com a melhoria das condições de vida, com as naturais mudanças que o êxito e o progresso sempre trazem, o Benfica foi mudando especialmente nas últimas décadas. Para um leigo como eu, sobressaem especialmente as mudanças de imagem, notadamente a da “Catedral”. As velhas – mas grandiosas – instalações da antiga Catedral, mudaram. As atuais são mais feéricas, mais modernas, mais confortáveis, mais funcionais. Faziam falta, mas talvez se tenha  diluído em modernidade alguma da antiga mística – ou da reverência - que vinha lá dos tempos do Eusébio, do Coluna, do Águas. O velho estádio era também um símbolo do Benfica, da sua grandiosidade, da sua mística, dessa idiossincrasia que atrás falei: foi construído por subscrição dos seus sócios, escudo a escudo, por sócios que ofereciam saquinhos de cimento para as obras. Não é mito: Foi mesmo assim.
Mas não houve só mudanças de imagem. Houve um tempo, não muito distante, em que os jogadores do Benfica eram exclusivamente portugueses. Não se tratava de qualquer manifestação de chauvinismo. Nesses tempos não se pensava assim. Gostava-se de apostar no que era português, mesmo que fosse português com origem nas ex- colónias, o que era algo mui “sui generis” e original naquela época pois nunca “metia política”, mesmo quando era evidente que a política andava a rondar por lá. Parecia ser isto que o povo gostava (ou que precisava de gostar) na altura. E acho que foram bons tempos. Ainda hoje, nas antigas colónias, tanto quanto sei, abundam os “doentes” pelo Benfica…

O Benfica sempre foi “uma casa grande” onde pobres e ricos coabitavam sem grandes conflitos. Acho que não exagero se falar numa solidariedade benfiquista, feita de convívio, de amizade e muita, muita, carolice.
É por isso que hoje me lembro do Rogério - do Homem da Bandeira -  herdeiro do saudoso Valentim. Deram-lhe o nome, lá no Alentejo profundo onde nasceu, do antigo astro do Benfica – Rogério “Pipi”. Naturalmente para puxar a sorte que escasseava e que ainda assim não lhe evitou os caminhos da emigração. Mas, no meio das peripécias duma vida aventurosa e difícil,  Rogério sempre apoiou o Benfica: levou-o, reproduziu-o, por todo o lado por onde passou. Acompanhou o Benfica - sempre a suas expensas -, por todo o lado, animando, dando nas vistas, com a sua gigantesca bandeira (que talvez tivesse  contribuído, sabe-se lá,  para as várias operações à sua coluna doente). Nunca pediu nada ao Benfica, pois, a sua recompensa  sempre foi, e continua a ser, o convívio com os adeptos, as vitórias que o clube lhe vai dando, e, sobretudo  a fé e a genica que o Benfica sempre lhe transmitiu.

Conheço o Rogério há muitos anos e sei que ultimamente as coisas não lhe têm corrido de feição. A crise? Claro . A crise. Mas principalmente a saúde. A sua saúde tem vindo a declinar. As costas, os diabetes... Entretanto adoeceu-lhe a mulher e a netinha também andou com problemas.  Os negócios esses não têm corrido bem. Mas a luta não parou e no meio disto tudo avançou com novas iniciativas. Mas agora surgem as más notícias para ele. Podem não ser mesmo verdadeiras más noticias mas são notícias daquelas que assustam. Entendem? Nesta segunda feira Rogério ia saber resultados mais concretos… Definitivos, talvez, sobre o seu estado de saúde. Não voltei a falar com ele desde domingo. Sei que estava preocupado com o assunto, expectante, mas, apesar disso, continuava a fazer força, a puxar os outros, para a frente, para a luta…

O Benfica continua glorioso e este ano reforçou a sua aura de campeão. A festa podia ter corrido melhor não fosse alguns incidentes infelizes, cuja responsabilidade não pode ser atribuída ao clube. Mas houve festa e gala. Rogério ficou contente, e, claro está, também festejou. Mas a nível familiar. O Benfica renovado, não se lembrou do Homem da Bandeira; nem um convite para os festejos lhe mandou … E há muito que não o faz.

Sei que o Rogério não é homem para pensar mal quanto mais para dizer mal do Benfica. Por isso não se queixará, nem dirá nada. Mas tenho a certeza que está triste. Sei que se lembra de outros tempos em que o Benfica parecia mais fraterno, mais de acordo com a sua tradição. Um tempo em que as pessoas se lembravam dele, se preocupavam em saber se estava vivo… E é por isso que escrevi esta já longa nota.

Faço votos para que as notícias desta segunda feira para o Rogério, tenham sido boas e aproveito para perguntar:
O Benfica sem o Homem da Bandeira  (e provavelmente sem muitos outros homens como o Rogério, porque o Benfica é muito grande) será o mesmo Benfica? Bem sei que as renovações mais do que necessárias, são inevitáveis. Mas não deverão preservar o passado e sobretudo a afetividade que une os sócios? Ou o caso do Rogério não poderá ser um indício de que o Benfica tende a tornar-se em mais um clube empresa, como vai acontecendo por esse mundo fora. Um clube avançado, claro, mas sem chama verdadeira, com uma mística trabalhada por estudiosos e preservada em locais especializados , que cultiva os afetos a que obrigam a responsabilidade social das empresas? Espero que o Benfica avance mas que saiba conciliar as coisas e preservar os amigos. Afinal modernidade e tradição não são incompatíveis.

Bem haja Rogério. Votos de rápidas melhoras.


Daniel D. Dias

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