Coisas do meu vizinho
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O meu vizinho logo pela manhã pareceu-me
particularmente animado.
- Bom dia vizinho! Não me parece ter ficado desanimado
com esta última reversão de Trump, - atirei eu referindo-me à decisão de Trump
de retirar os EUA do acordo de Paris sobre o clima.
- Bom dia! Pelo contrário, caro amigo: Esta e outras
reversões, ou muito me engano ou vão ter resultados surpreendentes. Estamos
prestes a assistir a uma inversão de tudo o que se tem passado nas últimas
décadas. Veja só: Com a saída dos EUA dos acordos de Paris não tardará a vermos
a China a resolver o seu tremendo problema de poluição encomendando aos EUA
toda a sua “produção suja”. Só um grande país produtor como os EUA pode
resolver as necessidades doutro grande produtor como a China. E os EUA não
hesitarão em tornar-se na “nova fábrica suja do mundo” para voltar a enriquecer.
E talvez consigam mesmo enriquecer “again”. Pelo menos durante um tempo…
Fiquei perplexo.
- Espanta-se? E se eu lhe disser que não vai ser só a
China a seguir esse caminho? - Prosseguiu o meu vizinho, acaloradamente, como
de costume. O Japão, a Europa, talvez até os seus amigos íntimos, Austrália e
Canadá, não hesitem também em seguir o exemplo da China. Nem que seja só para
“ajudar” o amigo americano…
Continuei perplexo, mas o meu vizinho prosseguiu
ressumando convicção.
- Ainda não se sabe o que fará a Inglaterra que
continua perdida em busca do seu império perdido. Coitada, ainda não sabe que o
perdeu. Mas talvez se tenha uma ideia mais clara do que vai fazer na próxima
semana com o resultado das eleições promovidas pelos conservadores ingleses.
Estavam com tão grandes ambições esses velhos abutres que não hesitaram em
marcar novas eleições a poucos meses das últimas, que ganharam, e em fabricar
uma nova Thatcher, versão corcovada. Mas, ou muito me engano, ou irá sair
furado esse louco desígnio: Theresa May perderá as eleições (ou ficará sem
condições para governar) e teremos então, à vista,uma outra reversão ainda mais
espantosa.
- Outra reversão? Qual? – Inquiri verdadeiramente
intrigado.
- Não está de ver? O regresso do Reino Unido à mãe Europa,
caro amigo… - disse-me fixando em mim os seus olhos escancarados.
- Não quero acreditar no que diz, vizinho. – balbuciei
incrédulo
- Olhe que eu também não, eu também não… - sussurrou o
meu vizinho, aparentemente lamentando este seu último prognóstico.
O meu vizinho logo pela manhã pareceu-me
particularmente animado.
Daniel D. Dias