As forças cronicamente nostálgicas dos esplendores
imperiais, insatisfeitas com os resultados obtidos com as suas sempre renovadas
receitas bélicas, após a depressiva derrota no atoleiro vietnamita, perceberam
que a sua “way of life” estaria ameaçada para sempre se não acrescentassem algo
radicalmente novo a essas receitas. E fizeram-no com o contributo de
prestigiadas escolas europeias e norte americanas.
Cultivando um “mix” de psicologia behaviorista, de marketing,
de moda, de contabilidade criativa, tudo alicerçado na manipulação e controlo totalitário
da comunicação e no circunstancial aproveitamento da criatividade gerada pela
última vaga da revolução científica e tecnológica – da qual se pretendem
promotores -, chegaram a uma nova fórmula por muitos conhecida por
“neoliberalismo”. E investiram todo o seu “élan” nesta nova fórmula cuja
característica principal parece consistir na combinação de todo o potencial
mágico da chamada “new age”, com a especulação financeira - promovida agora a motor da economia mundial -
, remetendo o papel das forças bélicas para golpes de mão pontuais e reforço
das estratégias de dominação económica.
Mas esta nova – e definitiva – fórmula, apesar do grande
esforço criativo, não era assim tão original: Uma vez mais assentava nas
clivagens humanas e na divisão o mundo. Só que desta vez parecia ser diferente:
menos geográfica e mais funcional. A “marca” substituía a “raça”. Pela primeira
vez a igualdade, sem por em causa a diferença, parecia possível e até
“aceitável”. Os senhores podiam finalmente (con)fundir-se com a plebe,
misturar-se elegantemente com os subalternos (que passaram a designar-se
“colaboradores”), tudo muito por via e pretexto duma democracia cada vez mais formal,
eufémica, que assacava a responsabilidade (e o mérito) de ser diferente a cada
um, mas sem deixar que essa (con)fusão
alguma vez atingisse o patamar do sacrílego ou comprometesse os rigores da
separação das classes.
Na realidade nunca os senhores estiveram tão afastados dos
servos, nunca foi tão virtual, tão fingida, essa aproximação entre castas
praticada numa orgia mediática, avassaladora. Nunca o conceito de classe, de
elite, foi tão deliberadamente equívoco, tão estruturalmente falso, mas nunca
pareceu tão real, tão singularmente “democrático”. E alguém chamou a isto, cinicamente,
globalização.
E tudo parecia correr pelo melhor, apesar das persistentes
ameaças ambientais, do esgotamento dos recursos naturais e do crescimento
exponencial das massas famélicas. Houve até quem prognosticasse o “fim da
história”... Para muitos o tempo do pragmatismo sociológico chegara, e com ele o
fim de todos os idealismos políticos redentores. Ideologias, só mesmo as
avalizadas em académicos “papers”, ou por gurus promovidos pelos grandes “media”. Tudo passaria a ser possível.
Especialmente vender ilusões, ludibriar as massas e ainda por cima enriquecendo
com esse mister…
Furacão aqui, peste acolá, bombardeamento além, os ricos
tornaram-se despudoradamente mais ricos e os pobres absurdamente mais
numerosos, mas agora – e finalmente – sem referenciais políticos: os míticos
“socialismos reais” , as utopias revolucionárias, foram desmantelados e deram
lugar a liturgias messiânicas (saudosistas ou desesperadas), a passividades
autoculpabilizantes e castradoras, a resignações massivas e alienantes, a existencialismos,
metafísicos ou materialistas...
Mas as forças da natureza, podem ser subvertidas, ignoradas,
mas jamais anuladas. E não tardou que aí estivessem de novo, mais implacáveis
do que nunca, a cobrar os abusos. As crises cíclicas tornaram-se contínuas. A todo-poderosa
“liberdade de escolha” da qual os próprios proselitistas descreem, já não tem
soluções. O imenso cenário-simulacro de progresso e paz social, desmoronou-se.
E caiu porque a fórmula mágica que o construiu perdeu todo o seu poder de iludir.
É a Crise em todo o seu esplendor!
E de novo a lógica da ilusão dá lugar à lógica da guerra. A
velha Europa, a NATO, a América Imperial e os seus apêndices, um pouco por todo
o mundo, palpitam por gestas guerreiras. Oh que jeito dava agora uma III Guerra
Mundial! Os falcões profissionais, – que
projetavam um assético exército robotizado, operando com técnicos informáticos
e gestores de recursos humanos, pronto a combater por encomenda inimigos distantes,
terroristas maléficos, malcheirosos e sobretudo anónimos, – saltam apressadamente
dos sofás, para a “realpolitik”, recuperando as velhas ciências
da guerra na perspectiva de von Clausewitz, agora em
leitura ao estilo “karaté Kid”, de Sun Tzu...
É que o conceito estratégico em vigor, mais pragmático como convém a estes
tempos de crise, é ganhar a guerra continuando, obviamente, “a política por
outros meios”, mas agora simulando apenas o esforço, não comprometendo os
próprios recursos. Ou seja: O objetivo é ganhar a guerra mas pondo os “outros”
a combater por eles, e, sobretudo, pondo os “outros” a pagar a sua indústria
militar, as despesas do seu “complexo militar industrial”. (Note-se que os
“outros” somos quase todos nós…)
É este o
drama dos nostálgicos dos esplendores imperiais que ainda vão dominando e que parecem
ter-se acantonado na velha Europa. Já não encontram quem esteja disponível para
financiar os seus projetos bélicos que em três tempos poriam fim a esta
malfadada crise. Ninguém compreende as suas belas intenções... Lamentável. Talvez
não seja estranho a este facto, inédito na História, serem os inimigos a abater
os únicos que estão em condições de financiá-los…
Que situação
mais confrangedora. Fazem lembrar velhos mastins com ganas de morder mas que já
não têm força nas queixadas…
Daniel D. Dias