domingo, 24 de novembro de 2013

Tigres de papel



A recente denúncia do acordo de associação com a UE, por parte da Ucrânia - que estava praticamente finalizado e pronto a assinar -, foi um balde de água gelada sobre arrogância da atual elite que conduz os destinos desta Europa (des)unida. Bruxelas e em particular a renascida Alemanha, já dava como garantido que a Ucrânia, influenciada pelas cliques pró ocidentais que nela floresceram – e enriqueceram – após a desagregação da União Soviética, seguiria o caminho de outros países, como a Polónia, a Hungria ou a Bulgária, que a troco de promessas de investimento só cumpridas muito parcialmente, abdicaram de parte substancial da sua soberania e puseram à disposição da UE, recursos básicos a preço de saldo, e, sobretudo, uma mão de obra barata, com formação e disciplinada, bem ao gosto duma Alemanha, sôfrega, muito (pouco) democrata (e) cristã.

Mas a UE, fiada numa supremacia que cada vez mais lhe escasseia, não se contentou com as cedências que a Ucrânia já lhe tinha feito, algumas das quais muito incomodativas para a vizinha Rússia, e continuou a fazer-lhe exigências desnecessárias e humilhantes como foi o caso do ultimato que lançou para libertar a controversa ex primeira-ministra Júlia Timochenko, acusada e condenada pelos tribunais desse país por abuso de poder. Foi pressão demasiada que, finalmente, fez a Ucrânia perceber que a UE pouco oferecia em contrapartida do que exigia e o que tinha em vista era mais por em causa o seu relacionamento com a Federação Russa do que estabelecer um acordo de livre comércio. E fez o que a UE nunca admitiu que fosse possível fazer: bateu com a porta e recusou a sua “ajuda”.

O choque foi grande a ponto das chancelarias do eixo franco-germânico e seus aliados próximos estarem agora a rever – parece com carater de urgência - toda a estratégia do já há muito planeado “cerco” à Federação Russa... Esta reação destrambelhada, mostra afinal que a UE tem um comportamento de tigre de papel, como aliás já tinha ficado demonstrado com o volte face que se seguiu ao ultimato feito à Síria na “crise das armas químicas”. Na altura, surpreendentemente, a Rússia  propôs o desmantelamento do arsenal químico da Síria, o que foi aceite (com alívio) pelos EUA. E logo o balofo presidente francês e o presunçoso “premier” britânico – atuais mastins da UE - engoliram a farronca e viraram a agulha para a “ameaça” nuclear iraniana. Uma clara manifestação de fragilidade, típica de tigres de papel.

Se de facto a UE não passar do tigre de papel que evidencia ser, então os chamados países periféricos do sul, persistentemente subalternizados e humilhados pelo seu núcleo duro franco-germânico, têm ao seu dispor uma carta de alforria que poderão jogar a qualquer momento. Mas é preciso que reúnam duas condições: a primeira que se livrem dos “gauleiter’s” que exercem atualmente o poder nos seus países antes que eles desmantelem por completo a soberania que lhes resta. A segunda, que os novos governos sejam hábeis e firmes no manejo dessa carta. Trata-se de negociar condições - não já de resgates de dívidas soberanas ou de qualquer outro tipo de assistência -, mas da permanência na zona Euro.  A UE, e particularmente a zona Euro, é, pelo menos formalmente, um espaço de solidariedade institucional. É precisamente essa solidariedade que deve haver coragem de exigir. É pouco provável que a Alemanha – e não só - esteja interessada em arriscar o insucesso do Euro… Quem pega nesta deixa?

Daniel D. Dias

sábado, 23 de novembro de 2013

Cuspir no chão



Um dia, há muitos anos, numa humilde taberna na província, vi um letreiro que pedia aos clientes para não cuspirem no chão, um hábito que se diz ser bem português. O letreiro chamou-me à atenção porque estava cheio de erros ortográficos, caricatos, mas percebia-se  muito bem o que dizia. Perguntei à taberneira se o anúncio tinha resultado, se os frequentadores tinham deixado de cuspir no chão. Respondeu-me que sim PORQUE TINHAM SIDO ELES PRÓPRIOS A TER A INICIATIVA de fazer o anúncio. “Se fosse alguém de fora - como já tinha acontecido antes -, não teria resultado” – esclareceu a taberneira.

Nunca mais esqueci esta grande lição de pedagogia. As pessoas só mudam de hábitos se essa mudança for desejada, voluntária, induzida de dentro para fora. Doutra forma reagem e persistem em manter os seus hábitos, por mais arcaicos que sejam. E isto também se passa com os povos. Nenhum gosta que sejam os de fora a impor-lhe os seus costumes. Agradecem que os ensinem mas rejeitam que os obriguem a aprender.

Daniel D. Dias

sábado, 26 de outubro de 2013

Competição versus cooperação


Há equívocos que se mantêm de forma artificial e que parecem ganhar novo fôlego com as novas TI. O mais grave de todos é provavelmente a ideia de que a competição é a primordial característica humana e que é a partir dela que a humanidade se “salvará”. Está comprovado de inúmeras formas que a sobrevivência da humanidade e o seu sucesso como espécie se deve a outra característica presente em todos os seres humanos – o impulso para a cooperação. O ser humano depende completamente dos seus semelhantes e, nas horas críticas, geralmente responde solidariamente. O ruído dos média conduzido pelos fanáticos do individualismo egocentrista, baralha tudo e abafa atualmente esta realidade. Uma dose comedida de competição pode ser saudável mas se se torna na essência das nossas vidas é mortal.

É falso que o progresso resulte da competição. O progresso resulta sobretudo da busca de soluções e da procura da verdade. A ciência – a mãe do progresso moderno – foi construída na base da cooperação e exigiu elevada abnegação de milhões de seres humanos, que muitas vezes sacrificaram a sua vida por ela. Não se busca a verdade, não se investiga, para ser milionário.

Daniel D. Dias

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Há pouco, na TSF, ouço Francisco Louçã condenar José Sócrates classificando o “seu” PEC IV como um prelúdio da Troika. Na TVI, há minutos, observo Nuno Melo, do CDS, em patética sintonia com João Semedo, do BE, a enterrar o Eng. José Sócrates. Ontem ouvi o vetusto Eduardo Catroga vaticinar o desaparecimento de José Sócrates ou o seu julgamento…

Não há dúvida: Portugal não precisa de investidores, nem de políticos honestos, nem de mudar de rumo. Precisa é de alguém como Torquemada à frente duma legião de exorcistas.


Daniel D. Dias

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Apologias e silêncios



É difícil de superar o apego a ideias que se revelaram erradas. É um drama corrente: de repente descobre-se que se estava equivocado acerca do que se acreditava ou do que se defendia… Pode ser muito difícil de superar esta situação – nem todos logram “dar a volta” -, que pode mesmo ser indelevelmente traumatizante, mas a pessoa de carácter nunca a escamoteará com justificações ou atitudes desonestas. Preferirá mergulhar no silêncio.

Talvez por isso haja por aí brilhantes apologias que não entendo e silêncios que, a cada dia que passa, entendo melhor. 


Daniel D. Dias

Ética nas redes sociais



Se há uma coisa que me aborrece seriamente é a desonestidade intelectual. Qualquer nível detetado, por mais pequeno que seja, é sempre indício, de que se pode ir mais além, ou seja, de que não se pode confiar na pessoa envolvida.

Não sou dos que acham que as pessoas são vis ou perversas porque não pensam como eu ou porque não perfilham as mesmas opiniões. É normal haver desacordos. Admito o erro e a ignorância, em mim e nos outros, embora não os aprecie nem enalteça. Mas apenas o erro e a ignorância; não a desonestidade intelectual.

A desonestidade intelectual é uma forma específica de desonestidade que nem sempre é fácil de identificar. Ela é, por exemplo, a ação de encobrir as reais intenções através da demagogia, ou a deturpação voluntária de ideias ou factos, para atingir objetivos ideológicos ou defender interesses escondidos. É também o uso de artimanhas para ampliar a influência ou procurar obter vantagens, sejam elas de que tipo forem. Tudo isto é feito frequentemente com muito “engenho e arte”: E há grandes “artistas” na redes sociais…

As redes sociais, designadamente o Facebook, constituem um fenómeno novo na comunicação global, que pode ajudar as pessoas a contornar os inconvenientes do isolamento social. Elas representam uma espécie de tribuna crescentemente acessível a todos, estejam aonde estiverem, pertençam a que classe pertencerem.

As redes sociais, aproximam as pessoas distantes de forma simples e acessível, permite-lhes difundir ideias, sensibilidades e gostos dum modo bidirecional, ou seja, dialogante, coisa que os “media” tradicionais, quase nunca asseguraram e tendem a assegurar cada vez menos em contraciclo com as possibilidades abertas pelas novas tecnologias.

Algo tão importante deve ser usado com respeito e ampliado na sua difusão - designadamente combatendo a infoexclusão ainda existente -, e firmemente defendido da infiltração abusiva pelas centrais de “intelligentsia”. Mas também deve ser preservado do uso grosseiro e sobretudo da desonestidade intelectual. É fundamental pois que os utentes adotem um comportamento ético no uso deste instrumento. Sem isso este tipo de comunicação perderá credibilidade e está ameaçado na sua função mais nobre que é comunicar.

É por tudo isto que venho apontar para alguns comportamentos reprováveis indiciadores da referida desonestidade intelectual que tenho vindo a detetar no Facebook. São apenas alguns exemplos - haverá mais seguramente - e não refiro nenhum caso em concreto porque estou convicto que haverá pessoas, involuntariamente ou induzidas por terceiros, que os cometerão de boa fé. (Quantos agentes de vendas, involuntários, não haverá por aí…)  A saber, pois:

- o expediente de usar os “amigos” de forma encoberta, para vender algo. Não serão condenáveis as vendas – de ideias, de produtos ou de serviços - desde que sejam feitas de forma clara, sem margem para dúvidas. Quem quer vender/promover alguma coisa, deve dizer claramente a sua intenção e não disfarçar o ato com qualquer pretexto “generoso”.

- métodos equívocos (para não dizer outra coisa) de ampliar a rede de influência – pessoal ou de grupo -, de engrossar a audiência de “amigos”. Por exemplo utilizar a defesa duma causa – daquelas que sensibilizam toda a gente - para ganhar “amigos” ou argumentar com falsas interdições do FB para levar pessoas a fazer pedidos de amizade.

- atacar ou defender ideias ou pessoas, caluniar ou fazer insinuações vexatórias, utilizando argumentos deturpados, falsos, fora do contexto ou de prazo, não citando fontes, ou fazendo referência a falsas fontes

- apoderar-se de textos, documentos, etc., de terceiros, sem consentimento prévio do(s) autor(es), fazendo-os seus, ou, pior do que isso, reproduzindo-os de forma  propositadamente equívoca ou deformada

- utilizar o prestigio pessoal – seu ou doutrem - para obter vantagens, financeiras ou outras, sob o pretexto de contribuir para a defesa de alguma causa nobre.

Fica aqui esta chamada de atenção como contributo pessoal para preservar este instrumento de comunicação, que, para muita gente é quase a única forma de se ligar com o mundo. Se todos dedicarmos alguma atenção a esta situação estou certo que tornaremos mais difícil a proliferação da desonestidade intelectual nas redes sociais e dessa forma prestaremos um relevante serviço à comunidade.

Bem hajam!


Daniel D. Dias

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Vou rezar



O Machete é uma mancha. O Machete é uma lástima. O Machete, ainda assim, come-nos as papas na cabeça. Porque a oposição não é capaz de ter uma posição comum. Não age:  barafusta. Com esta oposição o Machete pode estar tranquilo. Ele e os outros capangas que estão no poder. Tinha razão o banqueiro Ulrich com o famoso "ai aguenta, aguenta!"...

As batalhas não se ganham com piedosas intenções, com palavras de ordem, com discursos inflamados, mas com inteligência e entusiasmo. Por esta ordem - ou simultaneamente - mas nunca um sem a outra: venham as ideias avançadas, e as estratégias adequadas a cada situação, e esta pandilha desaparece, pulverizada, como por encanto. É preciso entender que não é a direita que é forte. É a esquerda que persiste em ser fraca tendo todas as condições para o não ser como se comprovou nas últimas eleições.

Desculpem. Não há pachorra: vou rezar para ver se o milagre acontece.
 
Daniel D. Dias

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Sim, mas...



Henrique Marçal sintetiza num curto post o que é a preocupação fundamental dos portugueses na atualidade

 

“A bandeira portuguesa no Castelo de S. Jorge

O que está em jogo não será a nossa identidade mas sim a dimensão da nossa autonomia! Como vamos nós portugueses dar uma solução duradoura aos nossos problemas? Este quadro político tem de ser reformulado, bem e rapidamente! Sem perda das garantias e liberdades já conquistadas! Haverá engenho para o efeito?”

 

A minha resposta é "sim, mas".


 "Sim",

porque o povo português dispõe de massa crítica suficientemente consistente para superar qualquer crise. Portugal é o país/nação mais antigo da Europa - dito isto no sentido de que mantém há mais tempo do que qualquer outro uma unidade cultural, linguística, e territorial invulgar -, o que só por si representa uma valia fundamental pois demonstra uma capacidade de sobrevivência exemplar, mesmo nas piores circunstâncias,


"mas"

tem de superar uma idiossincrasia muito peculiar, construída ao longo séculos, porventura ainda muito antes do estabelecimento da nacionalidade, que Unamuno, Sérgio, Antero , Eça, Pessoa, entre outros pensadores, caraterizaram  bem. Interromper a política  - ou filosofia - do "transporte", consagrada na Revolução de 1383 que abre caminho aos descobrimentos e ao Império, é talvez o passo fundamental.

Portugal habituou-se a resolver os seus problemas essenciais a partir do exterior ou por influência externa. Dir-se-ia que o crescimento de Portugal como nação o tornou mais num entreposto político-cultural do que num lugar de sinergias. Esta característica, que nos transforma no “regresso ao lar”, num povo soturno, depressivo,  abúlico (se calhar o fado – a canção “nacional” - é algo paradigmático deste facto assinalado exemplarmente por Unamuno), acaba por nos impedir de aproveitar o nosso lado luminoso e positivo, que é bem real, e não mitológico como muitos o pintam. Ciclicamente esta questão é afrontada – o consulado de Pombal é um dos bons exemplos -, mas temos sempre de recorrer a uma bengala estrangeira (os cruzados a caminho de Jerusalém, para ganhar a independência, os ingleses para preservar essa independência em vários períodos críticos, e agora os fundos estruturais da Europa, ou a troika… Mas há outras). Até a nossa república acaba por ser uma resposta com génese externa, pois tem seguramente origem no humilhante ultimato inglês de 1890.

Estas bengalas exteriores a que recorremos sistematicamente são mais pretextos do que necessidades. Acabamos quase sempre por ser nós, quase exclusivamente, à custa dos nossos recursos endógenos, a resolver as nossas crises. O factor exógeno – a ajuda que vem de fora - funciona apenas como uma espécie de catalisador que teve sempre efeitos secundários penalizadores para a nossa independência.   

A intervenção portuguesa no mundo foi o primeiro e decisivo passo para a globalização. Transformámos a geopolítica do mundo, fomos os primeiros a proporcionar uma vocação mundial à borracha, à batata, ao café, ao chá, à canela, mas também à espingarda, à náutica, à ciência e às artes. Por isso não podemos rejeitar a influência externa. “Mas” temos de usá-la a nosso favor e não contra nós. Para tanto temos de construir uma elite – no sentido nobre do terno – que nos liberte dessa síndrome neurótica que uma pequena camada de privilegiados – sucessora ideológica do partido dos terratenientes derrotado em  Aljubarrota – persiste em cultivar e fazer ressurgir quando enfraquece,  para manter as suas vantagens.


Daniel D. Dias

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Quebrar o enguiço




Estas eleições autárquicas – apesar do regozijo proporcionado pela derrota clara deste execrável grupo de malfeitores que atualmente exerce o poder - deixaram um travo amargo. Se há muito não havia dúvidas de que Portugal continuava culturalmente a ser o “reino cadaveroso” que Ribeiro Sanches denunciava no século XVIII, poucas agora restaram: Entre nós o crime continua a compensar porque a justiça que defendemos está ao nível da nossa (a)moralidade e da débil cultura cívica e política que praticamos.


O crescimento da abstenção é a principal prova disso. Os quase 50% registados são uma demonstração clara de que estamos mais preparados para ser governados em ditadura do que a batermo-nos pelo aprofundamento da democracia. Ou seja: tendencialmente estamos mais disponíveis para aceitar o retrocesso, do que para progredir. Trocamos facilmente a liberdade e a razão por uma frágil segurança assente na ilusória estabilidade prometida por gente que frequentemente nem sequer conhecemos.


Dir-se-á, com razão, que estas eleições também mostraram aspetos inovadores muito interessantes. Houve experiências de aprofundamento da democracia que funcionaram e que foram premiadas. Houve demostração de iniciativas de cidadania com resultados concretos. Mas 50% de abstenção representa um grande número de pessoas, um número que não tem parado de aumentar. Por outro lado subsiste essa quase indiferença pelo perfil ético dos candidatos ao desempenho de cargos públicos. Fica pois um lastro de preocupação.


Tem sido feita a leitura de que a abstenção é um voto de protesto, contra os partidos, contra o sistema. Talvez seja, mas não deixa de ser também uma manifestação de incultura cívica e política. Se for um gesto intencional é como combater um incêndio atirando gasolina para cima. A abstenção não castigou o poder nem o sistema. Prejudicou sobretudo o campo progressista que, em muitos casos – com as suas divisões e sectarismos - se auto liquidou acabando por poupar os partidos do poder a uma queda mais esmagadora.


Maria João Avilez – a aristocrática comentadora da direita portuguesa mais arcaica -, exasperou-se na noite eleitoral contra a elevada abstenção que atribuía aos adeptos do PSD. Evidenciando a sua natureza petulante e pouco dada às coisas da razão, não percebeu que a abstenção é que salvou o PSD dum resultado ainda mais demolidor… Têm destas coisas este tipo de analistas. Mas o mais grave é que muita gente, responsável e empenhada na causa do progresso, não manifeste preocupações com este aspeto da vitória eleitoral.


Como povo parecemos ser mais apreciadores da força do que da ética. A justiça entre nós, é, há já muito, algo retórico para usar mais como argumento do como prática. Talvez isto tenha a ver com o facto de termos sido um dos últimos países a abolir o Tribunal do Santo Ofício, que durante 300 anos, perseguiu e queimou os espritos mais livres, nobres e cultos, deste (e doutros) país, organizando regularmente autos de fé para exaltar o feito. Medroso, inculto e submisso, o povo habituou-se a participar nestes bárbaros espetáculos, espetando alegremente tições nos condenados a caminho da fogueira, muitos dos quais já lá chegavam  cegos ou moribundos.


Somos herdeiros desta gente e talvez por isso poucos de nós – a começar pelos próprios juízes - acreditam na justiça. Veja-se como o concelho mais culto do país exultou com a vitória dum autarca que não teve reservas em meter a mão no “pote”. Barafusta-se contra a corrupção, maldizem-se os que abusam do poder, mas tudo isso pouca importância parece ter quando dos saques e vantagens ilegítimos se utiliza algo que exiba alguma obra…   Em termos de contas somos pouco exigentes, especialmente com os poderosos.


Há, sem dúvida, que relevar o lado positivo destas eleições, pois, se há coisa necessária nesta altura, é “animar a malta”. Mas há também que estar atento ao crescimento  entre nós da incultura política e à proliferação da chamada alienação social. As pessoas e organizações apostadas no progresso devem estar atentas à evolução deste fenómeno e procurar combatê-lo a todos os níveis, desde o público ao familiar. O espetro do “reino cadaveroso” continua vivo e só mudando a mentalidade dos portugueses, elevando o seu nível cultural – especialmente o cívico e político -, se poderá quebrar este secular enguiço.


Daniel D. Dias

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Da necessidade de votar estrategicamente nestas Autárquicas



O cidadão comum português está politicamente numa situação complexa. Na realidade a arma que lhe resta – o voto – tem limitados efeitos pois é difícil efetuar uma escolha acertada, uma escolha que não tenha “efeitos secundários” e que tenha alguma utilidade.


Por isso haverá muita gente que preferirá não votar, ou anular o seu voto, como forma de mostrar o seu descontentamento. O resultado dessa atitude será porém favorecer a maioria instalada no poder o que acaba por ter um efeito oposto ao que pretendia. Muita gente, infelizmente, não se aperceberá que no atual sistema a abstenção ou o voto em branco não têm efeitos nos resultados finais o que acaba por favorecer os partidos que já estão instalados e os que tendem a ter maiores votações.


Portanto, para protestar, é preciso ir votar e escolher algum partido. Mas qual? Obviamente, antes de mais, terá de ser algum partido ou coligação da qual não faça parte qualquer dos partidos que compõem esta maioria (PSD-CDS)! A ideia que o poder local é um mundo à parte do poder central – que está a ser muito promovida - é uma ideia errada, especialmente nas atuais circunstâncias. É preciso entender que todas as políticas locais serão sempre afetadas pelo atual poder e que, nesta altura, as questões locais estão naturalmente subalternizadas pelas questões centrais.


Mas há outro aspeto importante a considerar: o voto no partido do “coração” pode, em certas autarquias, ajudar a promover os partidos do poder, ou os seus clones “independentes”.  Basta que ajude a dispersar os votos do partido que esteja mais próximo de derrotar os partidos desta maioria (ou dos seus clones) que na maior parte dos casos é o atual PS, de Seguro… Algumas pessoas têm difundido a ideia de que é preciso  votar também contra o PS. Percebo as razões do apelo mas acho esta ideia profundamente errada. O PS não está no poder e até voltar a haver condições para lá chegar - se chegar -, muita coisa certamente ocorrerá. E uma dessas coisas poderá bem ser, uma mudança de liderança, ou mesmo de orientação política…


Quem quer contribuir para sair da situação que se vive atualmente,  que é uma situação aviltante e sem perspectiva, deverá pois ir votar no domingo  (não se abster portanto), mas deve fazê-lo estrategicamente, quer dizer, o mais racionalmente possível. Se não quer favorecer os partidos desta maioria, deve ter em conta a relação de forças existente na sua autarquia e votar no partido (ou coligação) que melhores condições reúna para derrubar os candidatos PSD-CDS (ou seus clones “independentes”).  Seja ele qual for, incluindo, naturalmente, o PS.

Daniel D. Dias

domingo, 15 de setembro de 2013

A propósito de armas químicas



O recuo de Obama na inevitabilidade de atacar um país por este conter no seu arsenal armas químicas, está a ser explicado nos “media” ocidentais de forma muito curiosa. Alguns apresentam o perigoso (e insensato) finca-pé de Obama como uma vitória pessoal. Se não tivesse apresentado um ultimato a proposta russa não sairia da cartola e não ficaríamos a saber que a Síria tem armas químicas. É uma conclusão que visa transformar uma derrota (diplomática pelo menos) em vitória, salvando a face do presidente americano. Conclusão que pelos vistos não convenceu os falcões americanos que acham que Obama é um presidente fraco – ainda “só” matou o Bin Laden -, nem o próprio secretário Geral da ONU, Ban Ki-Moon, que, como fiel seguidor da “pax americana”,  já veio tranquilizar os falcões ocidentais com a denúncia (para os próximos dias) de terríveis crimes contra a humanidade cometidos por Assad, que é o mesmo que dizer: Não se preocupem. Mesmo que o Assad se safe da  questão das armas químicas, ou mesmo que ganhe a guerra – promovida pela Arábia Saudita, pelo Qatar, Turquia, e apoiada pela França, EUA,  Reino Unido, entre outros, está lixado: não escapará do discricionário e temível Tribunal Penal Internacional (do qual os EUA estão imunes!)


Esta indignação à volta das armas químicas é no mínimo estranha. Então os senhores jornalistas, em particular os especializados em questões bélicas, não sabem que uma quantidade considerável de países do mundo dispõem de armas químicas e até de armas biológicas (até o sr. General Pinochet tinha um arsenal privativo…), embora uma parte considerável tenha ratificado um tratado (1993) que proíbe o seu uso? Israel, um vizinho da Síria, curiosamente, não ratificou até ao momento esse tratado. Isso significa que dispõe delas, parece mais que óbvio. Mas já não é assunto relevante pois trata-se dum país amigo e de confiança… As suas armas químicas, as suas (prováveis) armas nucleares, estão em boas mãos. E a Turquia, e a democratiquíssima Arábia Saudita, o Iémen, os Emiratos, não as terão também? Bem sei: são países de confiança – civilizados - onde crianças de 8 anos podem ser mortas numa lua de mel… Mas são questões acidentais, nada comparável aos malefícios que o salafrário do Assad, oftalmologista e laico (o único que sobeja na região), faz à sua população.


Seria interessante aproveitar esta onda de indignação mediática, para difundir que os EUA foram os primeiros - e até agora os únicos - que lançaram bombas atómicas sobre populações, que durante anos prosseguiram programas de eugenia, no seu próprio território e até em países terceiros, em muitos casos sem conhecimento das populações, que têm desde sempre usado arsenal químico – urânio empobrecido, bombas de fósforo, o célebre agente laranja, e sabe-se lá que mais – que são causa comprovada de deformidades, de cancro e de outras doenças em crianças, que não param de crescer, designadamente na Jugoslávia, no Iraque e no Afeganistão e nos próprios EUA. Estas situações são cuidadosamente camufladas... Podia aproveitar-se também para informar o público que um dos fornecedores de armas químicas da Síria tem sido até há pouco o Reino Unido e que consta que empresas americanas as têm fornecido também (mas aos rebeldes)…

 Daniel D. Dias

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Merecer a miséria



Um bando de patetas atrevidos - ignorante e desonesto -, tomou com toda a facilidade os destinos do país. Fê-lo porque o povo se deixou embalar pelas grandiloquentes promessas dos que há muito prometem justiça e uma governação justa mas que, na hora da verdade, nunca a logram alcançar atribuindo as culpas sempre aos outros e ao jogo (democrático) desequilibrado que há partida sempre reconhecem estar viciado e por isso os condena a perder…


Se assim é de facto – e há tanto tempo - não será no mínimo pouco sensato voltar a jogar nos mesmos termos esse jogo sempre condenado à derrota, ou a vitórias inconsequentes?


Mas será inevitável que este estado de coisas se repita “ad aeternum”? Acusa-se o adversário - que é menos numeroso e mais primário, que “apenas” dispõe de mais dinheiro -, de ter manhas e, sobretudo, de ser capaz de superar divergências, de se apresentar unido, apesar das divergências por vezes caricatas entre comparsas. Ora se patetas infantilóides conseguem proceder desse modo seria de esperar que pessoas maduras, inteligentes e com bom senso – com menores recursos mas mais numerosas e sábias - o conseguissem com maior facilidade. Mas não é isso que acontece: Basta observar a generalizada ausência de alianças e de candidaturas conjuntas às próximas eleições autárquicas – ausência que em muitos casos oferece de bandeja a possibilidade de iníquas candidaturas, à partida condenadas ao fracasso, de disporem duma oportunidade de ganhar ou de ficar bem posicionadas -, para ver que a estratégia “do costume” continua em vigor e que os resultados previsíveis, por melhores que venham a ser, ficarão uma vez mais aquém das espectativas.


“O povo unido jamais será vencido” : é absolutamente verdadeiro e historicamente comprovado. Mas para o efeito é preciso que quem defende essa união, quem preconiza e deseja o fim desta pandilha no poder, confirme com factos, e não apenas com slogans nem com busca de culpados, que a todo o momento trabalha e está preocupado em superar divergências e em construir sinergias com todos os que são vítimas da situação que se vive e com todas as organizações que se identificam com essa vontade.


Se nos próximos tempos nada mudar, se tudo continuar na mesma, é forçoso concluir que o povo  pouco aprendeu com a tremenda lição destes últimos anos e que está disposto a continuar a alimentar as ilusões que prolongarão no poder os mesmos de sempre ou os seus herdeiros, mais ou menos travestidos.  É cruel reconhecer nesta circunstância  a verdade das palavras de Antero de Quental: “O povo [que] esperar por salvadores e messias, que lhe caiam do céu, continuará na miséria - e será, até certo ponto, merecedor dela”.

Daniel D. Dias

sábado, 31 de agosto de 2013

Alvos fáceis



Há pessoas que não tomam partido por nada porque em tudo ou em todos encontram defeitos. Esta é uma das mais comodistas – e hipócritas – formas de não participar em nada, em tergiversar de todos os problemas, e de acabar por apoiar invasões como as do Iraque ou da Líbia. Dizer que a Síria é um vespeiro, que Assad não é melhor que os insurgentes pagos e apoiados pelo Catar, Arábia Saudita, e, claro está, pela CIA, entre outros países subitamente preocupados com alguns regimes da zona do golfo, que Putin (aliado de Assad) não é melhor  que Obama, é uma forma de encolher os ombros à perigosa ingerência num país soberano, agressiva e ilegal, que EUA  e seus aliados se preparam para desencadear.


Estas pessoas esquecem-se que o mundo é muito mais pequeno do que parece e que algo que agora aparenta ocorrer longe da nossa casa de repente pode tocar-nos à porta… Que o digam as vítimas dos atentados de Atocha em 2004: Que tinham eles a ver com o que se passava no Iraque ou no Afeganistão? Cuidado com as generalizações, as indiferenças, as apreciações descuidadas. Podem tornar-nos alvos fáceis.


Daniel D. Dias

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Estranho espírito internacionaliosta...




Carla del Ponte, a insuspeitíssima amiga da OTAN, com múltiplas provas de fidelidade averbadas no seu curriculum internacional, que nunca escondeu gostar de aplicar a Bashar al-Assad o tratamento que logrou infligir a Milosevic, ainda há poucos meses, na sequência duma missão de inspeção aos crimes de guerra cometidos na Síria ao serviço da ONU, não teve dúvidas em admitir que se havia suspeitos de usar armas químicas nesse conflito eram os insurgentes e não o governo. A mesma senhora – agora claramente pressionada para ajustar a sua visão dos factos à nova orientação das suas chefias – ainda assim mantém boa parte desse seu parecer (Vide http://www.euronews.com/2013/06/07/the-realities-of-the-syrian-conflict-carla-del-ponte/.)


Quando há testemunhos deste tipo – e existem outros -, quando ocorrem ataques com armas químicas na altura em que está agendada uma conferências de paz, quando ao mesmo tempo inspetores das Nações Unidas chegam ao terreno oficialmente, quando um regime que está em vias de ganhar uma guerra fornece de bandeja argumentos a um inimigo que há muito reclama ajuda estrangeira semelhante à que foi concedida para esmagar o estado Líbio de Kadhafi, é óbvio que se está perante um miserável pretexto para desencadear uma guerra ilegal, em tudo semelhante à que foi desencadeada no Iraque.


O pior é que uma guerra destas vai ter efeitos devastadores. Para já na população que hipocritamente a chamada “comunidade internacional” diz querer proteger. Logo de seguida na região onde proliferam conflitos de toda a ordem e tensões dificilmente controláveis. Depois a nível internacional: Uma vez mais se acendem rastilhos que podem atingir proporções dantescas. Esta Europa debilitada, económica e militarmente, parece desejar confrontar-se com uma Rússia que há mais de 20 anos insiste em humilhar e desafiar uma China que ainda julga que é um “tigre de papel” dos tempos de Mao. Esta Europa que não entende que é usada como testa de ponte pelos EUA na sua patética luta para manter o seu “status” imperial, e que se recusa a ver que será a principal vítima dessa política suicida.


O mais estranho é haver partidos socialistas (?), como o caso do PS Francês, de Hollande, que se apresentam com um furor belicista a fazer lembrar os tempos napoleónicos, dispostos a avançar para a guerra ignorando a ordem jurídica internacional, que juram respeitar, e sem se importarem com a ridícula posição em que colocam o seu país às voltas com dificuldades crescentes, quase à beira da rotura social (http://www.tsf.pt/PaginaInicial/Internacional/Interior.aspx?content_id=3390099&page=-1.). Mas em Portugal, ao que parece, o PS de Seguro, também vai na mesma linha ultrapassando mesmo a ortodoxia direitista nesta matéria  (http://www.publico.pt/portugal/noticia/deputados-do-ps-questionam-governo-em-relacao-ao-uso-de-armas-quimicas-na-siria-1604110.).


Estranho espírito internacionalista que por aí vai…

 Daniel D. Dias

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Mais uma coincidência?



Na Comunicação Social internacional destaca-se hoje a notícia do provável uso de armas químicas na Guerra da Síria. Um vídeo chocante exibe pessoas, aparentemente gazeadas, em lugar incerto na Síria. São mostrados, entre outros, dezenas de cadáveres de crianças.

Nesta altura em que as tropas governamentais da Síria parecem imparáveis a vencer o conflito que grassa no país há mais de dois anos, que só se mantem ativo, é bom não esquecer, graças ao apoio das monarquias ultra reacionárias do Golfo Pérsico, numa conjugação paradoxal com as potências ocidentais que, desta vez, ao contrário do que lograram na Líbia, não conseguiram mobilizar a aviação da NATO, surge esta “providencial” notícia, que pode servir de pretexto para uma intervenção musculada a coberto da ONU, que faça, finalmente, cair Bashar al-Assad.

É bom entender que a vitória de Assad,  que já se vislumbra, significa antes de mais uma derrota das monarquias corruptas da região e o surgimento duma nova correlação de forças que perturba o “status quo” até agora favorável aos EUA e seus aliados, designadamente Israel.  É estranho que nesta fase do conflito em que aparentemente as tropas sírias já ultrapassaram os principais obstáculos, se lembrem de recorrer a armas de destruição maciça…


A notícia e o ruído que está ser feito à sua volta, faz recordar o pretexto usado para invadir o Iraque, no tempo de Saddam, que depois se verificou ser uma escabrosa invenção. Não digo que não tinham sido usadas armas químicas mas é contra toda a lógica que tenham sido usadas pelas tropas sírias. Sobretudo nesta altura. Tratar-se-á apenas de mais uma coincidência?  


Daniel D. Dias

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Dúvida



Constato a frequência com que se zurzem nos políticos profissionais. Pelo menos verbalmente. Observo os apelos que vão surgindo à insurreição, ou, com mais frequência, à abstenção ou ainda à negação do voto aos chamados partidos do arco do poder. (E apenas nesses porque dos outros pouco se fala. Parece que já se tornou rotina “aceitável” que esses fiquem sempre em situação subalterna.)

Mas se quase toda agente concorda que o problema da democracia portuguesa é não ser uma verdadeira democracia porque não reflete a vontade do povo, antes expressa o interesse dos partidos que a dominam – daí muitos chamarem-lhe, e a meu ver acertadamente, partidocracia -, era de esperar que surgissem por aí apelos a que se tomasse o poder nos partidos – de assalto ou de qualquer outro modo -, por forma a que esses instrumentos pudessem expressar o sentir e o querer dos cidadãos. Parece extravagante mas na verdade foi o que fizeram alguns rapazolas que agora estão no poder e outros que se preparam para lá entrar. Esta asserção tem por base esta lógica elementar: é seguramente mais acessível dominar a direção de um qualquer partido do que tomar a Assembleia da República ou a chefia dum Governo… Se alguém tem dúvidas que se aconselhe junto do Passos ou do Seguro e de outros que andam por aí comissários de vários partidos. Nisso eles são competentes.

Não entendo: Ou as pessoas que se queixam estão meramente a desabafar para aliviar a tensão e passar o tempo, ou simplesmente estão resignadamente de acordo com a confrangedora situação que se vive e não têm coragem para o reconhecer?


Daniel D. Dias

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Piegas em Era de Aquário

Esta malta que está no poder nesta auspiciosa Era do Aquário deve agradar muitíssimo àquela gente que insiste em ver o “lado positivo” das coisas, custe o que custar. Estão passar fome, coitados: mas estão a viver o outro lado da vida, ficam mais ricos em experiência. Ficaram sem casa: grande oportunidade para conhecer a família e os amigos que têm. Morreu por falta de cuidados de saúde: mas o seu carma libertou-se. Agora é mais uma estrela no céu...

Estamos progredir porque já não nos estamos a afundar à mesma velocidade e as provações sociais são uma oportunidade para desenvolver o nosso espírito positivo, a nossa criatividade, inventiva, um teste à nossa capacidade de sobrevivência. Talvez até nos melhore a “raça” a que aludiu há tempos o professor Aníbal... A miséria é um desafio para este (des)governo, na senda do saudoso slogan franquista, “Viva la Muerte”.

É por isso que quando nos dão notícias do estado da arte, são incrivelmente otimistas. É como se anunciassem ao doente em fase terminal:

- Alegre-se homem. Afinal o seu cancro não lhe atingiu o cérebro. Está espalhado pelo corpo mas o cérebro mantem-se limpo.
- Isso quer dizer que estou livre de perigo e vou viver mais tempo? – pergunta o doente esperançado
-Claro que não. Mas vai morrer consciente da grave situação que tem. Não é um privilégio? E tornou-se num “case study” que o projetará para a história… Seja positivo homem!

Continuamos a ser uns piegas que não estamos à altura da grandeza da governação que temos.

Daniel D. Dias

Da necessidade de empatia



Há pessoas, mesmo nas redes sociais onde somos todos amigos de alguém, que valorizam as qualidades e nobreza de caráter que julgam ter (ou gostam que os outros o façam por eles) mas que ignoram olimpicamente as dos seus parceiros. Nunca reparam na idiossincrasia de terceiros a não ser quando lhe encontram defeitos ou lhe identificam qualidades que também acham que a si lhes ficariam a matar. Nunca se expõem muito. Geralmente abrigam-se em nichos de referências consagrados, acomodam-se no conforto de opiniões seguras, formatadas, o que, de algum modo, constitui um auto elogio das suas virtudes com chancela de garantia. No fundo estão neste mundo e nestas varandas, autocentradas, pouco preocupadas em desenvolver a empatia, qualidade que permite aos seres humanos colocarem-se no lugar dos outros, ou seja, que lhes permite fazer a partilha da sua natureza humana que é o grande alicerce da paz e do progresso.  

Melhorar a autoestima é bom – por vezes indispensável - mas nunca deve ser feito à custa dos defeitos dos outros mesmo quando os defeitos dos outros são duma evidência inquestionável. Mais vale procurar através dos outros e com os outros o autoconhecimento que valoriza a autoestima ou a torna irrelevante. E isso só é viável se cada crítica, cada observação, cada conselho, forem pretextos para aplicar e desenvolver esse potencial empático que cada um dispõe.
 
Daniel D. Dias

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Sapos



A situação mundial mostra que todas as estratégias extremas conduzem ao seu oposto. Esta situação é redundante e ocorreu em todas as épocas, especialmente nos períodos de crise, e pode ser testemunhada nos mais diversos quadrantes do mundo atual.

É assim que a incapacidade (ou impossibilidade) para coabitar com Mursi, no Egipto, é pretexto para fazer ressurgir os militares, e com eles a direita tradicional, laica quando lhe convém, aliada de extremistas quando lhe dá jeito. Mas a intransigência da Irmandade Muçulmana em não coabitar com o laicismo, pode constituir a sua liquidação enquanto partido moderado de cariz religioso e reforçar o extremismo que tem latente. Um imbróglio perigoso.

É também por resultado da intransigência, da obstinação em derrubar a todo custo uma das poucas lideranças laicas da região, que aos poucos Bashar al-Assad consegue congregar à sua volta a população civil e “segura” o seu exército, o que não deixa de constituir uma derrota para a ultra reacionária Arábia Saudita e dos seus aliados, em especial os EUA, que não se incomodam com a total ausência de democracia neste país, enquanto a reclamam para a Síria, aonde pelo menos é possível professar qualquer outra região que não o islamismo, ao contrário do que sucede na Arábia Saudita onde só o Islão é permitido.  E uma derrota também para o estranho “socialista” Hollande que declara que "a França e a Arábia Saudita têm análises e posições convergentes" no que respeita à “necessidade” de derrubar Assad -  mas não só -, mesmo que para o efeito seja necessário armar a Al Qaeda… que combate afanosamente no Mali.
 
Na América Latina, os extremos atraem-se, e, se não houver a habilidade para conciliar interesses antagónicos das diversas classes - alguns deles não tão antagónicos quanto podem parecer à primeira vista -, os movimentos revolucionários podem ser minados de duas formas: por um lado, pelo crescimento duma camada de oportunistas que exploram as benevolências e ingenuidades revolucionárias criando brechas nas camadas mais pobres beneficiárias das reformas. Por outro, pelo exploração dos receios das chamadas classes médias, território no qual se abrigam e disfarçam os grandes interesses da direita (financeira e aliada das corporações multinacionais). Os arautos do retrocesso que, por inércia ideológica ou intencionalidade, permanecem nos “media” – cada vez mais influentes entre as multidões – exploram as mais pequenas contradições ou incidentes e camuflam ou baralham as grandes questões que requerem raciocínio arguto, incompatível com a evasão sistemática…


É o que parece estar a acontecer na Argentina onde a oposição ganha terreno nas principais regiões, ameaçando a liderança de Kirchner. O curioso - ou talvez não -, é que os principais adversários partem de setores próximos do kirchnerismo ou são dissidentes muito chegados a Kirchner. No Brasil a direita clássica, a poucos meses das eleições presidenciais, cavalga discretamente a onda de descontentamento, abrindo brechas na governação progressista, tirando partido das suas contradições, das suas fragilidades ideológicas, não hesitando em assumir valores caros à esquerda ou aos movimentos cristãos. Na Venezuela, a oposição procura ganhar a iniciativa imitando a agitação social do Brasil que contesta a corrupção. Os chavistas parecem estar mais argutos e marcam manifestações para o mesmo dia e com o mesmo móbil, mas, deviam ter sido eles a ter a iniciativa, deviam ter percebido que Caprilles e tudo o que se abriga à sua sombra, iria avançar por aí. Meia vitória de Maduro...

E podiam multiplicar-se os exemplos que estão em evidência em todos os continentes e pontos do globo. Claro está, Portugal não fica de fora. À esquerda e à direita as clivagens estão a ser exploradas numa perspetiva de ganhar uma quota maior de poder, para já, no próximo sufrágio, em setembro. Mas enquanto a direita se aglutina, em alguns casos assumindo um discurso de “esquerda”, a esquerda dispersa as suas energias acentuando as suas divergências, muitas delas puramente retóricas.

A situação atual é, uma vez mais – e desta vez mais dramaticamente -, escolher entre o mau e o menos mau, ou o abstencionismo, mais ou menos niilista, que vai crescendo entre nós. Sem dúvida que entre certos partidos, mais pelas suas lideranças do que pela sua base eleitoral, que “venha o diabo e escolha”… Mas o que importa são os resultados. As divergências à esquerda darão à direita, seguramente, uma vitória, mesmo que relativa. Para a direita, nas circunstâncias atuais, até um segundo lugar pode ser considerado uma vitória…


É pois altura de em pôr em prática a famosa política de alianças que todos os partidos fazem gáudio de possuir a melhor. O objetivo deve ser a convergência que garanta o sucesso do partido com mais condições de ganhar, independentemente das lideranças que existirem. Isto significa, bem entendido, uma grande capacidade, de assumir quando necessário uma subalternidade participativa mas também de engolir sapos…

É preciso entender: De líderes de que não se gosta, com maior ou menor dificuldade, o povo, mais tarde ou mais cedo, ver-se-á livre. Mas de tendências políticas, isso é sempre mais difícil  de lograr – como mostra a experiência recente -, uma vez postas em marcha, ou reforçadas.


Opções difíceis que os portugueses têm pela frente. Exigem sapiência, paciência e visão de futuro, mas que não aconselham as tais estratégias extremas, que tendem a reforçar o oposto do que preconizam. Quanto a sapos, que eu saiba, não há memória de que alguém tenha morrido com a sua ingestão. E alguns sapos engolidos foram bem maiores dos que agora andam por aí…

Daniel D. Dias

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Armas de destruição maciça



Há 68 anos – tinha eu nascido há menos de um mês - os EUA inauguravam a era das armas de destruição maciça fazendo explodir uma bomba atómica sobre a população civil duma cidade do sul do Japão, Hiroxima. Duma vez só estima-se que morreram 140 mil pessoas mas muitas mais continuariam a morrer nos anos subsequentes, até ao presente, vítimas do envenenamento atómico. Três dias depois uma outra bomba atómica seria lançada pelos americanos sobre a população de Nagasaki, cidade a umas centenas de quilómetros de Hiroxima, fazendo de imediato mais de 80 mil mortos, às quais se seguiriam idênticas sequelas. https://www.youtube.com/watch?v=ZDOZX9GaeO0

Na altura a Alemanha NAZI já aceitara a rendição incondicional ( a 8 de maio) e o Japão há vários meses procurava uma forma “honrosa” de se render – sempre rejeitada pelos EUA - e estava fora de questão que tencionasse prosseguir a guerra que na altura já era totalmente controlada pelos “aliados” – em especial pelos EUA e URSS - que estavam preocupados fundamentalmente em dividir o mundo em zonas de influência.

As bombas atómicas sobre o Japão foram pois uma manifestação de força dos EUA e um sinal para o mundo – na altura os EUA eram a única potência que dispunha dessa arma - em especial para a União Soviética, a grande vencedora do conflito mundial. Foram uma exibição brutal e gratuita de força que constitui até hoje a única aplicação concreta de armas de destruição maciça. O insuspeito general MacArthur, que comandou as tropas americanas no Pacífico afirmou em 1960 que “não havia qualquer necessidade militar para empregar a bomba atómica em 1945”.

Não espantoso observar que o país que inaugurou a nova era de terror nuclear se apresente ao mundo ainda hoje como o campeão da paz e da segurança e como o único merecedor de confiança para lidar com armas de destruição maciça e que, a pretexto delas e duma segurança da qual é uma das principais ameaça, se não mesmo a maior, não tenha parado de produzir e alimentar conflitos pelo mundo inteiro?

É bom que se assinale esta data para ajudar perceber, sobretudo aos mais novos, mas também a muitos “esquecidos”, a natureza do mundo em que vivemos.

Daniel D. Dias

sábado, 3 de agosto de 2013

Lição de Mandela


As sondagens “valem o que valem” e sem dúvida em alguns casos podem ser questionadas na sua oportunidade ou no seu rigor científico. Ainda assim é inegável que expressam a realidade que se vive e que a partir delas se pode prever o comportamento das pessoas com um certo grau de aproximação. Não é por acaso que a publicidade recorre sistematicamente a elas. Se não tivessem alguma valia certamente que há muito teriam sido abandonadas.

A situação não é diferente nas suas aplicações sociológicas e políticas. Admito que possam ser utilizadas como instrumento de manipulação, mas a experiência mostra que, no seu conjunto, as sondagens refletem aproximadamente as tendências da opinião pública. E é a partir deste pressuposto que faço esta reflexão.

A recente sondagem que apresenta o PS a 3 pontos do PSD é alarmante. Alarmante, bem entendido, para aquelas pessoas que se preocupam com o caminho desastroso que o país persegue, mas provavelmente reconfortante para aquelas que gostam de ”brincar aos pobrezinhos”, estimulante para as que aproveitam a “crise”, para enriquecer, para projetar aventuras políticas, prometedora para os querem ganhar o paraíso salvando almas sem grande investimento.

“Portugal parece que perdeu as sinapses. (…) Os portugueses estão com medo. Não protestam, não refilam, não contestam nem desfilam, como dizia uma canção do Godinho. Ou, numa versão mais séria e substantiva: não leem, não perguntam, não põem em causa, não exigem. Somos um país que tem um tiranete em cada cidadão. Um génio em cada BI. Um iluminado em cada NIF. Não temos cooperativas nem sabemos associar-nos. Quando o fazemos, fazemos mal. Temos campos com uma oliveira aqui, um sobreiro acolá, um pomar que gasta água e está mal tratado. E isso é-nos e parece-nos normal. O individualismo e o medo será a nossa desgraça. Porque Grécia, Itália e Espanha, com menos medo do que nós, estão em queda livre.” (cito Telmo Vaz Pereira)

 A situação é tanto mais alarmante quando se constata que em Portugal  ser de direita – não direita dos costumes, mas direita das negociatas, das trafulhices, do oportunismo - , não tem risco nem exige esforço, porque a esquerda existente não lhe faz frente adequada, persiste lidar com um povo idealizado, mitificado, um povo que em cada eleição perdida a favor da direita, diz ter-se  deixado enganar... A esquerda que temos, considera-se objetiva, realista, mas formula os seus projetos e estratégias na base dum povo idealizado, ignorando o quotidiano processo de liquidificação mental a que está submetido, operado por  Júlias, Gouchas, Fátimas, revistas Caras, Correios da Manhã, novelas mistificadoras,  e muitos, muitos,  Doutores, comentadores, conselheiros, etc. Mas, pior ainda, ignorando que o povo abriga, a par da sua natural nobreza de carater e do seu grande potencial humano, hábitos nocivos sustentados pela tradição, pela insegurança e pelo medo, como o individualismo, o egoísmo, a inveja…

As pessoas são o que são e não adianta queixarmo-nos dos seus defeitos, da sua ignorância, ou, pelo contrário, não reconhecê-los, ignorar a sua influência. Como dizia alguém “temos de ganhar a guerra com os soldados que temos”. Há que perceber que não se passa duma situação de imperfeição para uma situação ideal, por decreto ou pela força. É preciso dar um sinal de mudança e, simplesmente, começar a mudar. Enquanto a esquerda persistir em recriminar-se reciprocamente e de ser incapaz de se unir à volta questões essenciais, de programas políticos mínimos por exemplo, as perspetivas de derrotar esta direita prevaricadora e caricata que continua a assolar o país, continuarão a gorar-se, como, infelizmente, parecem apontar as recentes sondagens da Marktest…

Dirão: As sondagens pouco valem. São instrumentos da direita. Mas deviam ser entendidas como um aviso. Os tempos há muito que são propícios a políticas progressistas, à implantação de modelos económicos mais avançados que o atual capitalismo absurdamente especulativo, e, no entanto, as forças de direita que historicamente têm os dias contados, renascem, revigoram, voltando a mostrar os dentes, arrogantemente. Obviamente a razão fundamental está na falta de unidade da esquerda, disso não há dúvida. A história comprova-o.

Parece que a lição de Mandela, entre nós, ainda não foi aprendida. Mandela não hesitou em aprender Afrikaner – a língua do inimigo – para poder negociar com ele, para poder superá-lo. Mas entre nós nem a linguagem dos amigos se faz um esforço por aprender.

Daniel D. Dias

sábado, 27 de julho de 2013

Religiosidade



Tenho ideia que a religiosidade é algo intrínseco do ser humano. Quando nos emocionamos espontaneamente, sem necessidade de recorrer a palavras ou a ideias - com um belo pôr do sol ou com o sorriso duma criança, quando nos extasiamos com a grandiosidade do universo ou com a singularidade da vida -, acho que, nesse preciso momento, estamos em sintonia com o cosmos, i.e., vivenciamos uma atitude religiosa. Este tipo de sentimentos são muito comuns e enriquecedores e provavelmente são eles que estão na génese de todas as religiões e cultos.  

A atitude contemplativa, a atenção incondicional e completa ao que nos rodeia, a capacidade de sentir empatia pelos outros sem esperar nada em troca - nem sequer pensar, sem ponta de egoísmo -, é algo que torna as pessoas mais humanas e felizes, e talvez tudo isso esteja implantado na nossa natureza mais profunda.  Terá sido esta a razão que levou a humanidade, desde cedo, a criar fórmulas e eleger locais para cultivar esta religiosidade natural.

Mas o que geralmente fazemos é substituir essa atenção incondicional – que bem pode ser sinónima de meditação, contemplação ou oração – por rituais e liturgias. Os locais de cultos são utilizados, não como locais veneração do universo, ou do cosmos, mas como locais de pedincha. Pedincha de segurança, pedincha de “amor”, pedincha de perdão…

Não faço parte de nenhuma igreja nem de nenhum culto. Mas se fosse responsável por alguma igreja acho que desencorajaria a entrada a todos aqueles que lá fossem pedir seja o que for. As aspirações humanas, de justiça, de paz, as nossas necessidades de segurança e alimento, devem ser tratadas no âmbito da sociedade, na prática política. Os locais de culto são apropriados para exaltar o universo, louvar o facto de estarmos vivos. É na vida social, na interação com os outros, através do trabalho e da cooperação, na cultura, na troca de conhecimentos, nas ágoras a que pertencemos, que devemos resolver tudo o mais.

Quando assisto à tendência de transformar as instituições públicas em locais de culto, povoados por vacas sagradas, e os locais de culto transformados em locais de intervenção política, administrado por gestores paramentados, fico preocupado.

Daniel D. Dias

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Desabafo


Sempre que me lembro,

que um jovem barítono - tão pouco credível que nem mereceu figurar na lista de  deputados da insuspeita Dra. Manuela Ferreira Leite -, meses antes de chegar a primeiro-ministro já tinha anunciado que a sua prioridade era “rever” a Constituição  http://videos.sapo.pt/fgsd0DS1GzTsznCblN8D#share,  denunciando claramente quais eram as suas intensões quando ascendesse ao “pote” http://www.youtube.com/watch?v=18Y2xOWJ-zg&feature=player_detailpage e ninguém pareceu importar-se com isso ;

que o derrube do anterior governo começou com as gigantescas manifestações de professores que contestavam o modelo de avaliação, por ser muito burocrático http://videos.sapo.pt/esquerda_net/Gw4E7bWJeOggCz82tfEV,  professores que são agora despedidos, aos milhares, quase sem resistência, como se tratasse de algo “normal”, inelutável;

que a famosa “asfixia democrática” http://www.publico.pt/multimedia/video/mantenho-exactamente-tudo-o-que-disse-sobre-asfixia-democratica-633893037500545727 badalada em todos órgãos de comunicação social com grande ênfase e indignação, é agora substituída – entre outras receitas - por um método criado pelo pequeno génio, Poiares Maduro, para “limpar” a comunicação política http://www.noticiasaominuto.com/politica/86601/queremos-dar-informa%C3%A7%C3%A3o-correta-e-combater-sentimento-anti-pol%C3%ADtica sem que nenhum OCS manifeste, ao menos, estranheza;

que este “governo” – inquestionavelmente iníquo  – resultou duma estranha confluência entre esquerda e direita parlamentares que ao reprovar o PEC IV    http://videos.sapo.pt/cUvoKoFVfjzlie7BPes5   (que já tinha a aprovação da Comissão Europeia e até da Sra. Merkel…) derrubou o anterior governo facto que tornou inevitável o “pedido de ajuda externa”, há muito reclamada pela direita, e fez ascender ao poder a atual maioria…

Não resisto: “Passo-me”. Que surpresas ainda me reservarão os próximos tempos? Será que a malta aprendeu alguma coisa?

Daniel D. Dias

quarta-feira, 24 de julho de 2013



Um amigo meu oriundo duma família muito católica contava-me que quando era criança, padecia quando era obrigado a frequentar os rituais da igreja. Tudo o incomodava: o cheiro do incenso, a liturgia monótona, a dureza dos bancos… Mas o pior de tudo era não sentir qualquer emoção, não ter fé. Um dia ganhou coragem e confessou à avó que a missa não lhe dizia nada, que não sentia uma pontinha de fé. A avó, compreensiva, confessou-lhe que quando era criança também lhe acontecera o mesmo e que demorou muito tempo a ganhar fé. E aconselhou-o: “Filho não te preocupes. Continua a ir à missa, mesmo que não percebas nada. Tenta fingir que percebes e evita impacientar-te. Vais ver que aos poucos começas a acreditar e a ter fé”.

Ora é justamente o que agora ocorre. Com a preciosa ajuda da ideologia dominante, veiculada pelos“media” – que nos distrai, que nos baralha, que nos torna pensadores marginais, que nos enche de dúvidas -, vamo-nos amansando, deixando crescer a lã e habituando ao redil que há muito está preparado. Há quem nos vá exacerbando as emoções, a indignação, para que fiquemos com a ilusão de que estamos mais fortes, de que o “tal dia” não tardará. Faz parte do processo. Também eles acham que o mais importante é ter fé, neste caso, a fé numa vitória que não escapará cometamos ou não disparates...

Tudo então parece resumir-se à fé. A racionalidade neste tempo da ciência é quase um luxo. Talvez por isso o papa tenha escolhido agora visitar o Brasil, o maior país da América do Sul, região onde ocorrem atualmente as mais significativas e profundas mudanças sociais do globo. Este papa faz-me lembrar o seu antecessor João Paulo II, o primeiro papa que veio do leste. Carismático, simples, elogiado por todos, crentes e não crentes, em três tempos suprimiu a “teologia da libertação” que proliferava sobretudo pelas américas e contribuiu decisivamente, talvez tanto como Thatcher ou Reagan, para o desmoronar do “bloco de leste”. E fê-lo, não porque esse bloco fosse uma falsidade ou uma perversão duma ideia, mas justamente porque se receava que fosse algo “mesmo” sério, libertador dos povos… Esse papa - idolatrado a tal ponto que já faz milagres e não tarda tem estátuas nas igrejas -, tal com o Francisco I, logo que surgiu também foi de imediato objeto de culto por todos os “media”.

Francisco I é simples, modesto, “não tem ouro nem prata para oferecer” (disse ele hoje), e as Fátimas da nossa comunicação social ficam banzadas, embevecidas, com tamanha modéstia. (Eu sou ainda mais modesto que Francisco I: Não tenho ouro nem prata, nem rendimentos, e nem sequer uso roupas esquisitas que me distingam dos outros. E no entanto ninguém repara em mim, ninguém se me dirige embevecido e me enaltece, ou me convida para acontecimentos especiais. Mas quem sou eu? Mas sei de muita gente, bem mais modesta do que eu, com virtudes notáveis, que fez obra que o papa nunca fez nem fará, que vive – ou viveu - no mais absoluto anonimato). Que seriam estes papas sem o apoio desta prestimosa comunicação social?

Dirão: é a fé. E pronto o assunto fica arrumado. Mas continuo a não entender porque foi o papa ao Brasil. Será de fé que o Brasil está carenciado? O Vaticano não tinha assunto mais urgente para tratar? Ou será que Francisco está a imitar a obra do seu antecessor João Paulo II? Espero que não.

Seguir, manter a rotina, insistir no discurso, bater até à exaustão a liturgia, sem grandes preocupações de racionalidade ou coerência, é “o que faz falta”. A fé, a disponibilidade para aceitar tudo sem discussão, o trabalho do pastor que ensina o rebanho a obedecer e a aceitar o redil, pacificamente e de boa vontade, virá com o tempo.

Esta é a lição de Cavaco, também ele um homem de fé. Os nossos comentadores e jornalistas, como bons acólitos, já estão disponíveis para achar que o homem tem virtudes, já lhe adivinham sabedorias nas suas incongruências mais abstrusas. Tudo acabará por bater certo, é a mensagem implícita em todos os discursos. E talvez bata. Pode bem ser que a “ordem cósmica” que comanda os nossos destinos, tenha epicentro nalguma gruta de Boliqueime…

Ninguém consegue manter-se em bicos dos pés por muito tempo, nem gritar dias a fio. Mesmo as mais tenebrosas tempestades têm um fim. Por isso cultivar a fé é tão importante para o “status quo”. Não altera o destino mas adapta-nos às circunstâncias, ajuda-nos a aceitar a mais miserável mediocridade. Daqui a dois anos alguém se lembra? O redil está pronto e há novos maiorais…

Daniel D. Dias

sábado, 13 de julho de 2013

Aparências e essências




No debate do chamado “Estado da Nação” ocorrido ontem na Assembleia da República assistimos a duas situações paradigmáticas:


A primeira protagonizada por uma dama de fino recorte burguês – a Presidente da Assembleia da República, Assunção Esteves – que vimos engrossar a sua maviosa voz para fazer parar os protestos que assistentes das bancadas destinadas ao público dirigiam aos parlamentares. O descontrole exibido por esta dama habituada a mostrar os seus atributos em ambiente protegido, pôs em evidência a asténica personalidade da segunda figura do estado, que em caso de catástrofe ou defesa da nossa soberania poderá ser chamada a encabeçar a resistência do nosso povo ou a comandar as nossas forças armadas...


A citação que logo proferiu a propósito deste incidente confirma essa fragilidade. Colou-se a uma figura a todos títulos forte, com a qual não tem a mais remota semelhança, nem intelectual, nem política, nem ética, para acobertar a sua minguada estatura de figura pública – a de Simone Beauvoir. Pelos vistos já não é a primeira vez que se socorre deste expediente, mas desta vez fê-lo tão desastradamente que pôs a descoberto o seu artifício. Utilizou a frase “não podemos deixar que os nossos carrascos nos deem maus costumes” na qual Simone Beauvoir se referia aos ocupantes nazis. Comparou deste modo aquelas dezenas de manifestantes das tribunas da AR, pronta e pacificamente desalojados pela polícia, a nazis…


Saiu-se mal obviamente. Depois disfarçou dizendo que era uma alegoria (?) que não queria ofender ninguém, mas já era tarde. É o que faz imitar as aparências e ignorar as essências. Talvez fosse bom que Assunção Esteves se lembrasse – e refletisse – numa outra frase de Simone Beauvoir : “Não se se nasce mulher: torna-se”…


É caso para dizer: Estamos bem entregues.

 


A segunda foi também protagonizada por uma dama, mas esta de recorte mais popular, senhora de um timbre de voz estridente, que compensa em decibéis o que lhe falta em consistência. Trata-se de Heloísa Apolónio que anunciou a apresentação pelo PEV – Partido Ecologista “Os Verdes”- duma moção de censura ao “governo” na próxima semana.


Pasmo:  É uma segunda oportunidade que o PEV – que já tem o apoio anunciado pelo Bloco de Esquerda nesta iniciativa (e certamente do PCP que é o seu partido suporte) quer dar a este “governo” de coligação? É óbvio que a chamada maioria vai derrubar esta moção de censura (para a qual basta uma maioria simples) e assim evita ser forçada a apresentar a moção de confiança que estava praticamente obrigada a apresentar e, essa sim, tinha grandes condições para fazer cair o “governo”…


Tal como na primeira situação, esta segunda também evidencia uma aparência (de esquerda) que ignora a essência.


É caso para dizer: Com amigos destes nem precisamos de inimigos.  


Daniel D. Dias

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Política e "carreira política"


 
As pessoas constatam que são governadas por gente irresponsável, por garotos que sem nunca terem feito nada na vida são promovidos, num ápice, aos mais altos cargos dirigentes do país e ficam espantadas. Não percebem com tal coisa ocorre sem que deem por isso, como podem ser dirigidos por tanta gente que não conhecem e que não escolheram quando votaram. E a tendência é desatar a maldizer a democracia, os políticos e a política em geral, como a fonte de todos os males.

Mas a fonte dos problemas, a perversão da atividade política a que se assiste, assenta em algo que as pessoas parece que não se apercebem: Na profissionalização da política, e mais concretamente, na chamada "carreira política" que se efetua por via dos partidos.

Insisto em chamar a atenção para esta questão que me parece básica e essencial: a política não é profissão. Todos nós, para além da atividade que exercemos para sobreviver ou para nos formar, como membros da sociedade que somos temos, “ipso-facto”, uma função política: como pais, como cidadãos, como donas de casa, como encarregados de educação, como administradores de condomínio, como meros cidadãos, etc.

Se dispusermos da confiança dos nossos concidadãos eventualmente poderemos também ser escolhidos para desempenhar cargos públicos. Ora se tal ocorrer e obrigar à ocupação do nosso tempo por inteiro, teremos naturalmente de ser compensados mas por um montante idêntico ao que ganharíamos na profissão cujo exercício suspendemos e por um tempo determinado. Se o exercício dos cargos públicos for efetuado por dever de cidadania e não para aceder a um qualquer “pote”, a atividade política tenderá a regenerar-se. Isto pode parece irrealista ou impraticável mas foi assim no passado, ainda é assim em muitas circunstâncias e deve ser recuperado este espirito para contrariar o carreirismo a que se assiste.

Está difundida a ideia que a política implica um certo número de competências específicas , que só uma certa elite é que tem capacidade para desempenhar. É uma ideia profundamente errada mas que dá jeito manter a um certo número de pessoas.  A competência exigida no exercício político é de natureza cívica. Assenta no bom senso, no sentido de responsabilidade e de justiça, na capacidade de liderança, na honestidade, na maturidade, tudo atributos que só a “universidade da vida” confere e que a todos deve assistir.

A decisão política tem uma natureza diferente da decisão profissional. Se no exercício dum cargo político o cidadão responsável por esse cargo precisa de decidir numa área determinada -, obras públicas, energia, justiça, segurança pública, economia, saúde pública, educação, relações com outros países, etc. – deve servir-se e aconselhar-se junto dos profissionais que se ocupam dessas áreas - engenheiros, cientistas, juristas, militares, médicos, economistas, contabilistas, historiadores, filósofos, artistas, etc.. Esta questão não é assim tão difícil de entender e praticamo-la todos os dias: decidimos comprar um carro e não somos mecânicos, escolhemos a casa para viver e não precisamos de ser arquitetos. O decisor político deve ser avisado, prudente, ponderado, mas não precisa de ser especialista na área sobre a qual é preciso decidir, tal como o presidente dum clube desportivo não precisa de ser atleta ou treinador. Bem entendido, precisa de ser bem informado, ter carater, decisão, sentido da oportunidade. Ser for sábio, se souber alguma coisa do assunto, tanto melhor. Mas não é condição “sine qua non”.

Impedir os partidos de serem fábricas de políticos profissionais é uma urgente tarefa de cidadania. Só dessa forma se eliminará os riscos dos “jotas” continuarem a aceder ao poder. Só dessa forma se poderá lutar eficazmente contra a corrupção no exercício dos cargos públicos. Mais do que criar novos partidos é crucial que os militantes  e simpatizantes dos diversos partidos, comecem a discutir esta questão por forma a pô-la em prática o mais rapidamente possível.
 Daniel D. Dias

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Tiques



Mesmo no estertor e na decadência os tiques dos antigos impérios coloniais não abandonam a velha Europa. A demonstrá-lo está o recente sequestro do Presidente Evo Morales cujo avião vindo de Moscovo de regresso à Bolívia, teve de fazer uma aterragem de emergência em Viena - onde o avião presidencial foi vistoriado, confirmando não transportar consigo o desertor da CIA Edward Snowden – foi interditado de sobrevoar o espaço aéreo da França e de fazer escala  técnica em Lisboa, além de receber proibições idênticas de Espanha e de Itália.

É espantoso que uma Europa que colaborou ativamente com o tráfico secreto e ilegal de prisioneiros para a prisão de Guantánamo – que continua a funcionar apesar das promessas do “progressista” Obama e onde têm decorrido greves de fome prolongadas (“neutralizadas” pela alimentação forçada dos prisioneiros), sem que uma palavra se tenha ouvido de qualquer governo europeu ou da sua prestimosa comunicação social -, seja tão expedita a apoiar o “amigo americano” não se inibindo em quebrar uma rega fundamental do direito internacional, nem sequer se preocupando com a eventuais sequelas – comerciais, culturais e outras, que possam decorrer de tal atitude.

A “especialista” em política internacional Teresa de Sousa bem já tinha avisado que esta zanga entre europeus e americanos por causa da humilhante e desavergonhada devassa da vida das instituições europeias, não era para levar a sério, pois o pragmatismo do império prevaleceria (palavras minhas mas o sentido era este). A veemente indignação do “socialista” Hollande sobre a espionagem americana não passa pois de “bull-shit” e vai na sequência da desastrosa política externa de França que num continente apoia a Al-Qaeda (que se ufana de decapitar padres católicos na Síria), e que noutro a combate ferozmente. É curioso que o nosso inefável (talvez-quase-ex) ministro Paulo Portas está em sintonia com a posição “socialista” francesa e quase “socialista” italiana, proibindo a passagem do avião presidencial de Evo Morales.

Esta elite europeia eleita por povos despolitizados, embalados em eventos  hipnóticos fornecidos em doses industriais, faz lembrar aquele nobre samurai que, derrotado, estava condenado pelo “bushido” a cometer suicídio ritual. Uma velha ama, condoída com a situação do senhor apressou a levar-lhe uns saborosos morangos que sabia o seu senhor muito apreciar. Mas o senhor, prestes a cometer “seppuku”, recusou-os: “Não posso aceitar, disse o samurai agradecido. Ultimamente não tenho andado bem dos intestinos”.


Daniel D. Dias

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Arte de escolhas



A vida mostra que é sempre mais fácil cometer erros e destruir do que construir e proceder acertadamente. Esta é uma lição acessível para todos na grande escola da vida, que só quem anda muito distraído ou é desinteressado não aprende.

Este governo que parecia ir cair a qualquer momento, apesar de toda a sua incompetência, apesar de todas as suas contradições, acaba de fazer dois anos! Está agora à vista de forma inequívoca – para quem tenha disponibilidade para ver, bem entendido - que aqueles que achavam que derrubar o anterior governo sem se preocupar com o que viria a seguir, “pois era tudo farinha do mesmo saco”, estavam errados. A política é uma arte de escolhas, e raramente há condições para escolher entre o “bom” e o “ótimo”. As escolhas possíveis – quando as situações o permitem -  são geralmente entre o “mau” e o “menos mau”, quando não mesmo entre o “mau” e o “péssimo”. Derrubar alguma coisa sem ter alternativas em mente ou é inconsciência ou é crime.

Esta crise veio mostrar que a democracia meramente representativa não chega, que a participação dos cidadãos “a tempo inteiro” é indispensável para que os profissionais da política e seus “sponsors”, não a pervertam de modo irreversível. É cómodo e fácil responsabilizar ou atribuir culpas aos líderes que são escolhidos pelos processos tradicionais, mas esquece-se que há sempre um tempo anterior em que é possível fazer alguma coisa. Por exemplo evitar que os partidos se tornem lugares fechados e solitários,  incubadoras de ovos de serpente, ou centrais de controle da opinião pública, a partir dos quais grupos de interesse controlam a sociedade. 

As novas tecnologias de comunicação, especialmente a net, vieram dar voz a muita gente que a não tinha, mas, obviamente, não vieram fornecer mais inteligência e bom senso a quem não tem o espírito virado para esse lado. Em si mesmo a net, tal como o telemóvel, são instrumentos preciosos mas não mudam a natureza humana com a mesma facilidade com que se deixam lidar. Os grandes “media” – as TIC - potenciam da mesma forma verdades e mentiras, disparates e boas ideias. Por isso as “Primaveras Árabes” deram origem a resultados controversos, uns positivos e outros claramente negativos.

O protesto, a “rua”- muito catalisados pelas novas tecnologias da comunicação -, são instrumentos poderosos mas não substituem o trabalho político de base. As pessoas continuam mais disponíveis para protestar do que para participar e não é percetível que tenha aumentado o número das que exigem nos seus partidos, igrejas, escolas, organizações cívicas - nos próprios lugares de trabalho -, mudanças de atuação, especialmente na forma de liderar e de decidir em questões cruciais. Mudanças, diga-se, que não são coisa de pouca monta, pois estão na génese de quase todos os problemas que agora nos afligem. As gestões ruinosas, os desfalques gigantescos, a grande corrupção, não caíram do céu, de súbito e anonimamente. Era algo que se processava há já muito tempo e certamente muita gente, agora vítima desses atos, o vivenciou presencialmente. Mas deixou passar e agora protesta. Protestar é útil mas é limitado ou até mesmo contraproducente se não for acompanhado por outras ações, objetivos cívicos e políticos, se não for produzido no tempo certo, na altura apropriada e não trouxer resultados palpáveis a curto prazo. Os políticos profissionais sabem disso e não há dúvida que muitos deles procuram nesse tipo de atuação a influência e protagonismo que de outra forma não lograriam.

O grande público, naturalmente mais propenso à emoção que à racionalidade, está a aderir de bom grado aos movimentos de massas, quase espontâneos e de grande impacto, que agora vão surgindo com grande frequência, mas geralmente cansa-se depressa. Todavia, quando não logra resultados, abre caminho a participações oportunistas, mais organizadas, que encontram aí campo adequado à expansão de objetivos políticos que não estavam na génese desses movimentos. Poderá ser o que ocorre nesta altura no Brasil a meses das eleições? A ver vamos. Poder-se-á  pois concluir que a “rua”, sem uma linha política clara e orientadora, é de resultados incertos e até eventualmente perigosos…

A ação cívica, o aprofundamento da democracia, designadamente, participando e exigindo mais das suas organizações políticas e mesmo das instituições públicas, são cruciais para que os erros políticos diminuam e que na altura apropriada se saiba escolher o que melhor convém. A “rua” nestas circunstâncias é um excelente complemento. Mas ignorar as instituições existentes, por mais abstrusas que sejam, é sempre um erro que se pagará caro. Enquanto a democracia não é aprofundada a democracia que “vai havendo” deve ser aproveitada o melhor possível. O voto é coisa pouca mas dá – como se tem visto - para fazer chegar ao poder gente cujo objetivo fundamental é por em causa essa democracia que resta, ou coloca-la exclusivamente ao seu serviço, o que acaba por ser a mesma coisa.

Parece pois imperativo e prioritário, para além do protestar, que cada um participe e seja exigente no seu domínio de intervenção cívica, que não se deixe “levar” na onda do seu partido, clube ou igreja. Que seja autónomo,  autocentrado, consciente e responsável. Esse é o caminho que leva à iniciativa, que incrementa a cooperação e a solidariedade. Se assim se proceder, toda a sociedade vai mudando e a dependência de lideranças especiais, “fortes”, “iluminadas”, vai diminuindo.

A democracia participativa é um processo complexo e trabalhoso que implica que todos os cidadãos se assumam como políticos, que, aliás, na verdade, é a sua real condição. O político de carreira, esse que o povo escolhe mas que é quase sempre um serventuário de partidos e frequentemente um fautor da corrupção, ocupará um papel cada vez menos relevante, à medida que a participação cívica das pessoas aumente. Um povo acordado e esclarecido, que aprende e participa, não depende de quaisquer lideranças e, quando o deseja, encontra sempre as lideranças que mais se adequam às suas necessidades.

A todo o momento somos chamados a fazer escolhas. Colocarmo-nos de parte limitando-nos a protestar é deixar para terceiros a escolha que nos compete fazer e nada impedirá que tudo continue como antes. O argumento de que “é tudo a mesma coisa” ou que “ tudo é farinha do mesmo saco” já vimos o resultado que dá. Por isso há que escolher estrategicamente, observar cuidadosamente as diferenças, que sempre existem, apreciar a relação de forças e os equilíbrios possíveis. O importante é assegurar que não se vão repetir os mesmos erros e se vai na direção certa, mesmo que os resultados não sejam aqueles que mais se desejam.  Esta é a essência da arte da política que está ao alcance de todos e que exige acima de tudo duas coisas: Uma atenção isenta e acutilante e uma disponibilidade para intervir prontamente.
Daniel D. Dias