Desejar uma
coisa – consciente ou inconscientemente – e ao mesmo tempo o seu oposto, ou
receá-la, é a essência da neurose. Pavlov mostrou como se podia produzir
experimentalmente esse fenómeno. Alimentando um cão esfomeado sempre que lhe
mostravam um foco de luz circular, ao fim dum tempo de consolidação do hábito,
o animal reagia, salivando, visionando apenas o sinal luminoso (estímulo
associado “agradável”), sem precisar da comida. Paralelamente condicionava-se o
animal com outro estímulo associado mas desta feita nada agradável.
Infligiam-lhe choques elétricos, sempre que era projetado um foco de luz com
forma de barra retilínea em vez do círculo. Passado algum tempo já não eram
precisos choques elétricos: a simples exibição desse sinal luminoso bastava
para que o cão entrasse em pânico.
Os efeitos
da neurose produziam-se quando o cão era submetido a um novo foco luminoso.
Inclinado a 45º, o projetor gerava agora um foco luminoso oval que era
percecionado ambiguamente pelo animal: insuficientemente redondo para
desencadear o desejo pela comida, mas tendencialmente reto a fazer recordar o
sinal aterrorizador, a oval tinha algo dos dois estímulos opostos (satisfação e
sofrimento) e gerava inquietação e desconfiança. Mas, continuando a reduzir o
ângulo do projetor, tornando a oval cada vez estreita – cada vez mais parecida
com a barra retilínea associada ao sofrimento -, o cão atingia o paroxismo:
desatava a uivar, a urinar, a ladrar, descontroladamente, tentando fugir.
Podiam então apresentar-lhe alimento que não comia, apesar de estar esfomeado.
Assim se manifestavam os sintomas duma crise neurótica artificialmente
induzida.
As
sociedades humanas são, seguramente, estruturas muito mais complexas do que as
dos cérebros dos cães de Pavlov mas, ainda assim, parecem também comportar-se
neuroticamente. As ideologias dominantes – que se manifestam, entre outras
coisas, na educação, nas tradições, na comunicação - habituaram as pessoas a
determinadas expectativas “agradáveis”, com o objetivo de obter delas cidadãos
obedientes e colaborantes.
Mas as
governações, em consequência dos jogos de poder e dos interesses egoístas que
persistentemente lhes subjazem, acabam repetidamente por mergulhar em
contradições, não correspondendo àquilo que prometem, defraudando expectativas.
Nos períodos “bons”, os governos lograrão resolver ou atenuar as tensões assim
geradas: cedendo parcialmente às pressões existentes, recorrendo a ações
demagógicas. Mas também recorrendo a repressões controladas combinadas com
medidas “paliativas”. Estas ações poderão acalmar temporariamente ânimos
sociais exaltados evitando deflagrar conflitos latentes, ou diferir os
problemas para alturas mais favoráveis.
Nos períodos
“maus”, nas crises mais agudas, as manifestações neuróticas surgem reforçadas.
Os medos, das repressões violentas, da miséria social extrema, o terror da ruína
e da falência, renascem no “inconsciente coletivo”. É o tempo de surgirem entre
as grandes massas, os “duces”, os falsos messias, que anunciam soluções
milagrosas e defendem ideologias alienantes. Então, os poderes exercidos com
regras são postos em causa e as pessoas tendem a apreciar mais a força do que a
razão. Guerras surgem em geral no corolário destas situações.
Pergunto-me:
Será que vivemos num tempo destes? Não tenho a certeza disso e espero bem que
não. Todavia há por todo lado sinais inquietantes que me fazem ter vontade de
apelar ao Dr. Freud e de recolher-me num confortável divã…
Daniel D. Dias