Passeio
Vagueio pelas ruas - absorto
A ruminar ideias mal digeridas.
Vislumbro a turba que passa
e só uma ou outra linha corporal mais torneada
interrompe a minha apatia
Estou só na cidade
Rodeado de objetos reluzentes
De panos macios
De palcos de vidraça
De néons gelatinosos
De olhares faiscando dispersos
Tudo se move apressado
Tudo é espreitado, nada visto
Não há sombra
Adivinha-se o negro nas esquinas
Mas a sombra é proibida
Este é um tempo sem sombras
De projetores a cobrir cada movimento.
O aroma da cidade é agridoce
De plástico que a nada se cola
Passeio no meio de corpos vazios
Que só conservam a forma
E não se preocupam com isso
Ouvem-se vozes mas ninguém fala
É um mundo de silencio ruidoso, sem discursos
Os discursos são próprios dos bêbados Ou dos loucos, ou dos que perderam o controle
Claro: há o futebol e os concertos
Mas aí não se fala nem se grita
Esvazia-se o ar dos pulmões numa rotina sensual
À procura desse orgasmo massificado
Gerado nos laboratórios do marketing relacional
Sento-me para saber ao que ando
“Distrai-te, convive, sai,” ouço lá ao longe…
Sou um estrangeiro numa Tebas
distante
Rodeado de alamedas de esfinges mudas
Estou cansado
Apercebo-me melhor do frenesim da cidade:
Tenho aí prova inequívoca da
existência humana
uma existência tão anónima como a minha
mais estranha que estrangeira,
fugaz, tímida, obscura
que não quer ver-se reconhecida
mas que procura a todo o custo
vislumbrar o seu reflexo
Afinal não estou só:
Outros estrangeiros vagueiam por aí.