terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Algum dia

Algum dia

uma calidez terna
dessas de génese ignota
se insinuou em mim sem que desse por ela
e expandiu-se
pela pele, pelos braços, por todo o corpo
como uma suave febre benfazeja

e essa devassa mansa
impulsiva
ao menos por um momento
desvaneceu todo o fervilhar das ideias
das ilusões
e avassalou todos os meus desejos…
o meu coração pulsou então como um remoto quasar:
era o universo que me respirava

ah, percebi:
há mais vida para lá de mim
essa calidez subtil
esse impulso irracional
é como uma raiz que procura mais vida à sua volta
que busca um ponto para fixar-se e reexistir
e esse ponto
posso ser eu ou podes ser tu
ou pode ser a minha mão na tua mão
ou ainda
os nossos passos trilhando juntos o tortuoso caminho
deste ciclo da eternidade


Daniel D. Dias

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Que Europa é esta?


Ao que parece os chamados "rebeldes moderados", - aliados da Turquia, apoiados, armados e financiados pelos EUA, França, UK, etc. -, liquidaram um dos dois pilotos do caça russo abatido hoje por caças turcos. O avião teria violado o espaço aéreo turco, facto que a Rússia nega, ao mesmo tempo que condena veementemente esta ação. Recorde-se que estava prevista uma reunião em Ancara, para amanhã já, entre a Rússia e a Turquia, para discutir, entre outras questões, a cooperação Rússia-Turquia na luta anti terrorista. Putin durante uma conferência de imprensa, na presença do rei Abdullah II, classificou este ato como "uma facada nas costas" que terá "consequências sérias para as relações russo-turcas". O avião russo despenhou-se em território Sírio, a 5 quilómetros da fronteira turca, onde também se ejetaram os seus pilotos.  http://www.rtp.pt/noticias/mundo/turquia-abate-caca-russo-na-fronteira-com-a-siria-ao-minuto_e876345#  Um dos pilotos do avião está desaparecido e outro terá sido capturado e morto por “rebeldes” com sotaque turco. https://www.facebook.com/United.Syrian.Republic/videos/1730624370505056/?fref=nf

É o segundo incidente deste tipo que ocorre em pouco tempo mas este é particularmente grave porque configura um ato de guerra entre duas potências vizinhas, oficialmente amigas e com tradicionais boas relações. A Turquia após estes acontecimentos em vez de contactar a Rússia foi queixar-se à NATO, que logo reuniu de emergência. Putin, a este propósito, ironizou: “Querem pôr a NATO ao serviço do Estado Islâmico?”

A recente intervenção da Rússia apoiando o único exército no terreno capaz de fazer frente e liquidar o "Estado Islâmico", está a incomodar muito o mundo ocidental. A aviação russa tem destruído massivamente as infindáveis colunas de camiões carregadas de petróleo que passam tranquilamente pela fronteira turca para aí ser vendido. A quem? Naturalmente à Turquia mas também a países europeus, que – ironia das ironias - agora estão a ser atacados por esses ingratos jihadistas… Concentra-se também na destruição de armamento fornecido aos rebeldes “bons” que estranhamente passa quase de imediato para as mãos do ISIS. Entretanto o exército Sírio, graças ao apoio aéreo que agora recebe da Rússia, aumentou a sua eficácia e avança desalojando o ISIS, o que parece não agradar à aliança liderada por Obama criada com esse mesmo fim...

Este incidente vai ter certamente consequências. A Rússia joga muito da sua segurança na guerra da Síria pois, obviamente, não quer regressar aos tempos das guerras da Tchechénia. A Turquia, por outro lado, aliada dos EUA mas também da Arábia Saudita - principal promotor do terrorismo de fachada islamita -, teme o fortalecimento do povo Curdo, potencial aliado da Síria de Assad por força da circunstância de ambos os povos sofrerem às mãos dum inimigo comum. A direita turca  que reforçou de novo o seu poder, deita mão a tudo para  levar por diante o seu projeto neo otomano, designadamente recorrendo ao terrorismo jihadista, à repressão policial e ao controle fascista da informação. Foi assim que ganhou as últimas eleições. Um estado sírio, secular, e um Curdistão hostil, eventualmente independente, é tudo o que menos deseja e mais teme. Oh da guarda! então, e chama a NATO.

Perante este quadro, a Europa atual controlada pela direita (ou por uma esquerda de pacotilha) não consegue ter uma visão própria, autónoma em termos geo estratégicos. Em vez disso segue ziguezagueando, entre contradições absurdas. Responde à ameaça terrorista no seu território, emocional e demagogicamente.  Não aproveita a oportunidade para corrigir os seus erros em matéria de política externa e mais parece fazer questão em agravá-los. Implementa orientações repressivas – em vez de medidas preventivas - que pouco efeito terão em termos da segurança dos cidadãos, e que, a curto ou médio prazo, se não houver nenhuma mudança significativa entretanto, abrirá a porta a novos e mais perigosos incidentes. Em vez de se abrir a alianças inteligentes, em vez de se antecipar aos problemas, desfazendo nós que ajudou a criar, incentivando, por exemplo, o desenvolvimento económico nos países que antes colonizou, fecha-se, entrega-se nas mãos de potências que só geraram conflitos nas últimas décadas e abre as portas do poder à direita fascista.

Hollande foi a Washington receber instruções para a conversa que vai ter amanhã em Moscovo. Foi logo prevenido de que Assad e a Rússia “fazem parte do problema, não da solução”… A solução – segundo Washington -  está na coligação de estados, de que fazem parte, entre outros, a Arábia Saudita, o Qatar, e agora a Turquia, que são promotores comprovados do terrorismo… Tudo países que não respeitam as liberdades e os mais elementares direitos humanos mas que à viva força os querem impor a terceiros de que não gostam.

Pergunta-se: Que raio de socialista é este Hollande? Que Europa é esta que parece andar a clamar por uma Terceira Guerra Mundial?

Daniel D. Dias

domingo, 15 de novembro de 2015

Coisas do meu vizinho - 2

Cruzámo-nos na escada. Desta vez fui eu que iniciei a conversa, mas com receio, confesso. As conversas com o meu vizinho são com frequência muito “puxadas” e, ainda pior, empatam-me muito tempo. Mas vi a cara dele, logo pela manhã, e parecia-me pálido - esverdeado -, consumido. Algo não estava bem.
- Vizinho, bom dia. Tá visto que não descansou.
- É verdade. Mal descansei. Tenho que cortar com a televisão… Bom dia também para si.
E parecia que ia ficar por ali. Continuou a subir as escadas. Pelo que conheço dele isso não era coisa normal. Insisti.
- Foram os atentados de Paris, está visto. Não dão mais nada e as pessoas impressionam-se…
Parou.
- Não foi nada disso. – Disse de tal modo, perentório, que mudou logo de cor. A sua cara tomou um súbito tom avermelhado.
- São as mentiras dessa canalhada que me põem assim. As mentiras e o descaramento. Os atentados já não me espantam. Revoltam-me mas não me espantam. Como sabe tenho o vício dos noticiários e acompanho mais ou menos o que vai por esse mundo. E o que vejo? É rara a semana que não há carros bomba, bombas e bombistas suicidas, a explodir. Ainda há dias um avião russo explodiu no Egipto com duzentas e tal pessoas a bordo. Todos dizem que foi uma bomba e eu acredito que sim. No Líbano, na semana passada também foram mortas dezenas de pessoas noutro atentado. E os que são mortos a toda a hora no Iraque, na Síria, na Líbia, por esses mercenários criminosos, - rebeldes “bons” e rebeldes maus do “Estado Islâmico” - também contam, não acha?
Assenti com a cabeça.
- Por isso atentados já não me tiram o sono. Pelo contrário: a monotonia de passarem horas a repetir que estão espantados, chocados, com os acontecimentos sangrentos, quase me dá sono. Esta malta estava à espera de quê? Os jovens estão desempregados na casa dos 50% ou mais. A sociedade, ignora-os, discrimina-os ou trata-os como imbecis. Que futuro lhes oferece? Participação em “reality shows” onde exibem figuras ridículas; estágios, em hipermercados como caixas, em discotecas como seguranças; empregos temporários a fazer de papagaios em “call centers” , como rececionistas, como vendedores de inutilidades ou aldrabices à comissão… Ainda por cima acirram-nos com patacoadas – é preciso vencer, ser competitivo, ambicioso… Depois é o que se vê: Alguns tornam-se marginais, drogam-se, roubam, suicidam-se, outros, empregam-se como mercenários para fazer guerras, aqui ou ali, ou então vão parar ao “Estado Islâmico”... É “trabalho” que dá dinheiro que se vê e o pessoal sente-se valorizado. Ao mesmo tempo praticam uma espécie de desporto radical. Radical a sério. Que é que se espera? Até os jogos de vídeo os mentalizam para estas coisas desde putos…
- Mas então o que é que lhe fez tirar o sono? - Perguntei curioso.
- Ora, não viu? No meio daquela panóplia de declarações de solidariedade vindas de todo mundo – e das esparvoadas intervenções do Hollande a prometer isto e aquilo e que a coisa não ficará assim -, aparece-me aquela minúscula criatura do SarKozi, com a bandeira francesa por trás como se ainda fosse chefe de estado, a prometer vinganças, correções no sistema de segurança, etc. Está a esperar voltar, pelos vistos…. e voltará mesmo! Um tipo que destruiu completamente um estado - a Líbia -, que mandou matar o chefe desse estado que lhe tinha financiado a campanha eleitoral, que é suspeito de vários crimes graves, até mesmo em França, não só não está preso, como aparece nesta altura como potencial presidente e a cagar sentenças (desculpe-me a linguagem) sobre os crimes que ocorrem em França e no mundo, em grande parte por causa dele… Como é isto possível?
As carótidas do meu vizinho, à medida que falava, inchavam de indignação. Receava que rebentasse.
- Tenha calma vizinho. Algum dia a verdade virá ao de cima… - Contemporizei eu a ver se o acalmava.
- Qual quê! Acredita nisso? Os alemães com a ajuda do Clinton e da NATO, destruíram a Jugoslávia. O Bush, com o Aznar, o Blair e o Barroso, destruíram o Iraque, o Sarkozy, com Berlusconi e o Obama, destruíram a Líbia. Se fosse só isto? Mas o pior é que a mulher do Clinton – que colaborou nisto tudo – não tarda, é presidente dos EUA e o Sarkozi, não tarda volta a ser presidente de França… O Blair, por ora não precisa: já tem um tacho para “ajudar” a Palestina. E o Bush? O Obama? E os outros? Estão todos bem. Estão todos melhor. Afinal o TPI serve para quê? Só para perseguir africanos e sérvios?
- Não sei, vizinho. Não sei mesmo. Mas deixe lá. Esta vida são dois dias e essa malta também morre… Vamos tomar uma bica?
- Pois morre, pois morre… - Ficou a rezar o meu vizinho. E ignorando o meu convite, retomou a subida da escada. Lentamente, como de costume.
Daniel D Dias

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Coisas do meu vizinho



Mal saía de casa – ia fazer umas compritas – o meu vizinho viu-me. Já sabia que ia haver conversa.
- Então vizinho, está satisfeito com a situação? – a situação, era, claro, a situação política do momento, e o meu vizinho não perdia tempo.  Ia, como de costume, direito ao assunto.
- Não sei, - esquivei-me à resposta -  ainda estou a digerir…
- Sabe o que eu penso? (Não esperou pela resposta) Estes tipos – referia-se à coligação PSD-CDS - tinham-na toda fisgada. E há já muito. Já se sabia que Sócrates era o alibi perfeito. Sendo o culpado do estado do país estes tipos podiam fazer tudo o que quisessem. O Seguro era o que lhes estava a calhar pois também alinhava com eles a culpar o Sócrates. O Costa é que lhes veio lixar o esquema. Além disso já andava a falar demais. Pô-lo como comentador não deu os resultados que estavam à espera. Por isso prenderam-no nas vésperas do congresso para eleger Costa…  Está a ver qual era a intenção?!
Não respondi. Sabia que ainda não terminara.
- Mas como não conseguiram lixar o Costa com a prisão de Sócrates, trataram de arranjar mais tempo para impedir que o PS tivesse a maioria absoluta que em maio ou junho (quando deviam ter sido as eleições) estava garantida. Lembra-se das sondagens?
Acenei-lhe que sim.
- Tudo apontava para isso. Portanto era preciso esticar mais o tempo e o “chefe” fez-lhes a vontade: marcou as eleições para outubro, altura em que já não podia dissolver o parlamento. Mas se tudo corresse como o previsto isso já não teria importância. A reeleição estaria já no papo. Havia confiança absoluta na propaganda do “seu” governo e dos governos europeus amigalhaços, baseada na ideia de que já estava tudo bem, que a crise em Portugal era coisa do passado, que Portugal não podia seguir o exemplo da Grécia... A habitual colaboração – quase total -  dos jornais e das televisões e um verão mais ameno haveriam de consolidar os resultados. Contavam ainda com os partidos da esquerda que não poupariam o PS, como, aliás, não pouparam. Já viu: A fé na vitória era tão grande que até soltaram o Sócrates na véspera das eleições…
- Vizinho: desculpe lá… - fiz menção de me ir embora mas ele ignorou o meu gesto.
- Mas o Costa trocou-lhe as voltas, percebe. Quem perde as eleições geralmente demite-se e Costa não fez isso. Se o tivesse feito os herdeiros do Seguro teriam voltado e dariam cobertura à maioria relativa da coligação a troco dumas concessões ligeiras. Costa já estava preparado e entalou-os. O que não pôde fazer antes – porque não teve maioria absoluta – fê-lo depois com uma esquerda  que sabia que se não o apoiasse ajudaria de novo colocar a direita no poder. Os eleitores dessa esquerda não lhe perdoariam. Costa fez o que já tinha ameaçado: Juntou-se a eles e formou uma maioria… Que mal tem isto?  Que não é tradição, que o povo não votou para isto…  Se calhar não, mas que importa?  O certo, certo, é que a direita  iá contava com o ovo no cu da galinha e a coisa saiu-lhe furada. Está a perceber? Estão lixados. Quando lhe convém é democrática quando não lhe convém bradam às armas. É preciso ter cuidado com esta malta…
- O vizinho é que tem de ter cuidado com o que diz. Há gente que não gosta dessa ideias… - disse-lhe sorrindo e afastando-me, desta vez decidido.
- Não se preocupe vizinho – ainda lhe ouvi, já ia eu escada a baixo – já estou velho… Borrifam-se pró que eu penso…

Daniel D. Dias 

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Metafísica




Tenho de escolher entre o prepotente Jeová
e o rigoroso telescópio Hubble:
Jeová descobriu as minhas fraquezas
Hubble exibiu as minhas incertezas


Ah se não fosse esse tinto de Mértola
e essa chouriça que nem vêm ao caso
não sei como poderia viver…


Daniel D. Dias

domingo, 11 de outubro de 2015

"Deus escreve esquerdo por linhas direitas"




Um amigo meu, já falecido, proferia com frequência esta curiosa frase face às controvérsias da vida política a que assistia: “Esperai que Deus escreve esquerdo por linhas direitas”. Queria ele dizer com isto que os projetos políticos da chamada esquerda, muito comprometidos com ideais exigentes e com frequência de difícil concretização, eram frequentemente viabilizados por erros da direita.

A direita, como se sabe, tem uma vantagem prática sobre a esquerda: nunca perde de vista os seus objetivos – o pote – e é capaz de tudo para lá chegar. Até de disfarçar-se de adepta furiosa dos tradicionais ideais de esquerda. A direita (a dos interesses) que é propositadamente confundida com a direita conservadora – os tradicionalistas, os avessos às mudanças – só tem em rigor esta vantagem relativamente à esquerda, termo que surgiu na Revolução Francesa em resultado da posição que os adeptos da mudança e do progresso ocuparam, por mero acaso, nos Estados Gerais, em 1789. A Nobreza e o Clero posicionaram-se à direita do rei, enquanto o “Terceiro Estado”, os representantes do povo e burguesia, se sentaram à esquerda.

Desde aí a ideia de esquerda – mais até que a de direita – ficou e tem sido interpretada de diversas formas. Todavia os conceitos básicos a que está ligada, por tradição, são os do progresso, da liberdade, da igualdade e da justiça social. A direita geralmente apresenta-se como defensora das tradições, dos ideais históricos, do conservadorismo, mas sabemos que isso, salvo raras e honrosas exceções, é um disfarce para o seu objetivo principal: apropriar-se do pote que a sociedade na sua labuta constitui.

Se as coisas fossem lineares, se não houvesse tanta confusão deliberada ou resultante da ignorância, se a ideologia dominante – modas, hábitos, formas de pensar - não fosse quase sempre a da classe que detém o poder, a esmagadora maioria do povo identificar-se-ia, naturalmente, com os ideais de esquerda. Se a direita ocupa o espaço que ocupa, se por vezes é maioritária, é porque reina muita confusão na sociedade. Ser a favor do progresso, da igualdade e da justiça social é sempre mais difícil do que ser a favor de privilégios:  pressupõe educação cívica, abnegação e até coragem.  Para a defesa de interesses egoístas pouco é preciso saber: basta não perder de vista o cobiçado pote.

É por isso que os caminhos da esquerda são difíceis de trilhar. A história parece dar preferência às lógicas simplistas da direita. Mas nem sempre é assim: A ganância ou cegueira da direita é por vezes tão estúpida que faz acordar a esquerda do seu torpor. Ou seja: a direita cria as condições objetivas para abrir caminhos à esquerda. Já aconteceu muitas vezes. “Deus escreve esquerdo por linhas direitas” é o que quer dizer.

Quem sabe se não é o que está a acontecer, agora, entre nós…


Daniel D. Dias

terça-feira, 6 de outubro de 2015

No começar é que está o ganho




Se ser de esquerda não for só retórica ou profissão de fé, com estes resultados eleitorais será possível estabelecer uma plataforma de entendimento entre os partidos que se opõem à coligação – por mais pequena que seja -, suficiente para criar uma alternativa de poder. É uma questão de brio patriótico e de sobrevivência o que está em causa. Esta “comissão liquidatária” se não for apeada rapidamente consolidará o seu poder e acabará com Portugal como país livre e independente. Mas é preciso andar depressa antes que a direita do PS, ajudada pelo jornalixo e pela ideologia dominante que transforma gradualmente os portugueses em zombies políticos, se recomponha e derrube Costa. O mais certo é o PS que se seguir - com ou sem Costa, - vir a apoiar a direita. Por mais estranho que pareça, a primeira e mais urgente tarefa que toda a esquerda tem pela frente, é pois, proteger Costa e o PS (que ele ainda representa talvez por pouco tempo mais) de ser engolido pela direita interna do PS. Não riam: é mesmo assim. Façam o favor de ver as coisas com realismo e andar depressa. Convém abster-se de embirrações, guardar as vaidades para mais tarde e avançar nesta direção: Discutir plataformas de entendimento - unificadoras, viáveis, realistas -, discreta mas rapidamente, sempre longe do jornalixo. Se progredirem nesta linha nem que seja um palmo, estou certo que tudo será mais fácil no futuro. O problema está só no começar.

Daniel D. Dias

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Cenários pós eleições 2015


1.
Se a maioria absoluta da coligação PSD/CDS não vier a concretizar-se, e se no PS -, seguindo a tradição e as aspirações do seu núcleo direitista -, se demitir o António Costa, ou muito me engano ou teremos a breve trecho um governo minoritário de direita a governar com o apoio do PS.
Bloco e PCP têm razões para rejubilar. Mais uma vez ganharam uma difícil batalha. Sobreviveram e até cresceram, mas não irão governar como parece ser, aliás, a sua secreta aspiração de sempre. Mas subtilmente contribuíram (também mais uma vez) para que Portugal continue sob a alçada da direita. Mas - entenda-se - o que carateriza desde há muito a nossa esquerda é não conseguir viver sem ter desafios de monta que lhe permitam mostrar a sua capacidade de resistência, a sua superioridade moral e a sua coragem para defender o povo. Um tanto como o rato Tom que precisa desesperadamente do gato Jerry para mostrar as suas habilidades. Sempre inimigos mas sempre inseparáveis. Sem uma direita no poder e um PS, titubeante, ruído por dissensões direitistas, como sobreviveria esta nossa esquerda?
Ou seja: Tudo leva a crer que continuamos na gloriosa senda "de vitória em vitória até à derrota final".

2.
A menos que a coligação de direita não tenha a maioria, o Costa não se demita e os que se dizem de esquerda resolvam fazer um acordo de incidência governamental, em nome duma maioria de esquerda no parlamento, e que a resolvam reclamar ao Presidente da República, de acordo, aliás, com a constituição... Tudo mudaria desta forma.
Eu não quero tirar o benefício da dúvida a este cenário mas francamente só acredito se vir alguma coisa nessa direção e até agora não vi nada.
Portugal não é de facto a Grécia onde houve eleições num dia e no outro já havia acordos parlamentares a funcionar.

_______
Mais uma vez verifico que em Portugal não é a direita que é forte. A esquerda é que é fraca, ou melhor, é a esquerda que não sabe usar os seus enormes potenciais. Enquanto a direita, prosaicamente, não perde de vista o pote dos seus interesses, a esquerda sobrepõe aos objetivos que lhe competem de conquistar o poder e de governar bem, com equidade e justiça, as eternas quezílias entre si, acerca de superioridades morais, as legitimidades ideológicas, a competição por saber quem denuncia ou reivindica melhor…
Ainda por cima a esquerda absorve toda a ideologia e propaganda veiculada pelos “media” dominados pela direita e não sabe defender o povo desse veneno. É uma situação frustrante que se continua a viver com uma grande parte da população já indiferente ao assunto. As pessoas já interiorizaram que a esquerda é uma espécie de desejo piedoso por mudanças, por justiça, mas que é irrealizável e que já está integrado no ideário direitista, que o consente ou não, segundo a sua caprichosa vontade. Quanto tempo resistirá uma democracia com estas aleivosias por mais formal que seja?
Daniel D. Dias
4/10/15

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

De vitória em vitória até à derrota final?



Será assim uma vez mais?

Não sei. Por algum tempo ainda admitirei que seja apenas mais um simulacro estratégico - ou uma trampa, como diriam os nossos companheiros castelhanos - congeminada pelos incansáveis marketeers que controlam os me(r)dia lusitanos. Mas, pelo sim pelo não, preparo-me para engolir mais um sapo, desses que abundam no atávico charco deste reino cadaveroso portuga, que persiste (não se cansa de sebasteanar), apesar das caganças de modernidade que ostenta...

E vou engoli-lo a troco de nada. Como sempre fiz, aliás.

Mas desta vez precavi-me. Desde as últimas eleições percebi que este povo de marinheiros - talvez cansado de tanto navegar em superfícies turbulentas e “mares de cabrões”-, prefere agora a mortal calmaria dos fundos marinhos, povoados, à falta de peixe, por uma frota de inúteis submarinos. E adquiri, obviamente, uma  discreta bóia, dessas familiares, para não correr o risco de partir sozinho à deriva por esses mares afora. Claro está: o omeprazol passou também a fazer parte da minha dieta. Porquê esse luxo - perguntam-me -, se deixei de frequentar restaurantes, se passei a ser obsessivamente frugal? Aí têm a resposta: Para prevenir as náuseas dos náufragos e neutralizar a acidez que todo o sapo sempre implica.

Já tinha avisado: o redil há muito está preparado. É só entrar e seguir os maiorais, sem pieguices. E não se atropelem se faz favor!

(Último aviso.)

Daniel D. Dias

sábado, 26 de setembro de 2015

Aviso à navegação



A fazer fé nas sondagens que vão sendo anunciadas pelos “merdia” portugueses, o povo está pronto para renovar o poder aos arrebentas que subiram ao poder há 4 anos com aldrabices, truques e ladainhas, de que agora parece ninguém recordar-se. Sei que há gente que beneficia com governos deste tipo – são sempre uma minoria bem entendido – mas estou certo que a esmagadora maioria do povo vai sofrer com este facto, caso ele venha a concretizar-se. Se ganharem em resultado da divisão dos votos ou da abstenção, os arrebentas, que já não têm qualquer espécie de vergonha, obterão um reforço que lhes permitirá fazer tudo o que quiserem, agora com redobrado vigor. Não tenham qualquer espécie de dúvida. A ideia que é “tudo farinha do mesmo saco”, está, mais uma vez, a ser alimentada e uma vez mais vai fazer estragos. Não. Não é indiferente votar neste ou naquele partido sob o pretexto de que os políticos são todos iguais. Também os que julgam que não votando penalizam esta comissão liquidatária a que chamam governo também estão redondamente enganados e mostram que, ou são masoquistas, ou que não aprenderam nada.

Por favor, se não vivem à conta desta corja, pensem bem: Não façam escolhas emocionais, façam escolhas estratégicas. Apoiem quem esta maioria ataca, quem ela elege como inimigo principal, quer gostem ou não gostem da solução. Pode ser que engulam um sapo mas tudo será preferível do que continuar a ter esta gente no poder.

Não digam que não vos avisei!

Daniel D. Dias

sábado, 5 de setembro de 2015

Que pena!



A meu ver, o grande problema das pessoas (não sei mesmo se não é o maior problema do nosso tempo) é o de persistirem na fuga à realidade, insistindo em ver o mundo, retalhado, dividido, perdendo a capacidade de associar todos os aspetos da vida, não percebendo que tudo faz parte do mesmo conjunto. Andar à procura dos "maus", amaldiçoar a má sorte sem perceber que, pelo menos quase todos os mais crescidos, são corresponsáveis - passivos ou ativos - por tudo o que se passa, por tudo o que se sofre, nada adianta e as tragédias (evitáveis) persistirão. Sinceramente só me ocorre dizer: que pena.

A nossa obsessão pela “segurança”, o nosso apego à “tranquilidade” das ideias feitas, o nosso medo de ficar sozinhos, não nos deixa aprender nada com as lições da história. E repetimos os erros quando podíamos, de facto, se não ser felizes, pelo menos viver melhor.

Daniel D. Dias

terça-feira, 14 de julho de 2015

Os fracassos da esquerda europeia e o renascimento alemão



Os atuais acontecimentos da Grécia evidenciam que é a “realpolitik” que domina. A ideia de ética – democrática ou outra - está totalmente ausente, ou, se se quiser, está totalmente subordinada aos interesses geoestratégicos dominantes. É óbvio que o que está em jogo é aproveitar a Grécia para dar uma segunda vida à direita que subiu ao poder com a crise na Europa, designadamente em Portugal e na Espanha, e para mostrar quem manda.  O favorecimento da extrema direita fascista que esta política promove, em toda a linha e por todo o lado, parece não preocupar minimamente os eurocratas que controlam – sem escrutínio democrático! – as cada vez mais ineficazes instituições europeias. O que é preciso é conservar o poder, para construir velhos sonhos imperiais… Antigos fantasmas renascem dum passado não assim tão distante.

As pessoas vivem distraídas e não percebem que o que se passa é um certo renascimento alemão que há muito vem a ser preparado. Já nos anos 70 a Alemanha Ocidental exibia as suas aspirações de dominância – por exemplo em projetos internacionais, ou em grandes feiras - que só não iam mais longe por causa das limitações que a sua zona leste “ocupada” implicava. Com o providencial desmantelamento da URSS, a troco de nada – traindo sem vergonha promessas feitas a Gorbachev – a Alemanha ganha um novo fôlego e duma penada inicia o controle da Europa. Aproveita a morte de Tito para iniciar o desmantelamento da Jugoslávia, abrindo ligações aos velhos aliados germanófilos – Eslovénia e Croácia. A guerra dos Balcãs é um dos grandes crimes do século XX, com responsáveis bem definidos ainda no ativo. Uma guerra apoiada nos dinheiros e estratégias alemãs, conduzida pela NATO, numa aliança espúria EUA-Alemanha.

Logo após a unificação alemã (paga com dinheiros europeus, é bom que se recorde, na altura os deficits excessivos não constituíam problema), a Europa Social deixou de interessar. Só importava mostrar a superioridade do “modelo social europeu”, enquanto o “Bloco de Leste” era uma potencial ameaça e um concorrente. Valia tudo: até um Papa foram desencantar no Leste para minar as fragilidades da decadente URSS… A partir do momento em que fábricas gigantescas do leste passaram para mãos alemãs e americanas a troco da manutenção dos postos de trabalho, em que uma nova “numenklatura” russa passou a enviar para os bancos americanos e ingleses os esbulhos feitos na ex URSS, o estado social europeu deixou de ser uma prioridade. O Euro, feito à medida para a Alemanha – até tinha o mesmo valor do marco alemão – era a peça que faltava para dominar a Europa. Claro havia a França, a Itália, e um pouco o Reino Unido, mas isso são obstáculos que os alemães já estavam habituados a contornar. Com a ajuda dos democratas cristãos nada há que não se consiga. Mais tarde ou mais cedo a autoridade germânica haveria de se impor. Percebe-se agora que o  fantasma do “Lebensraum”, - do “espaço vital”  alemão -,  nunca morreu nem foi esquecido… Só mudaram as táticas muito com a ajuda do “amigo americano”. Anos a fio prepararam os povos europeus com os seus milagres económicos e tecnológicos, exibiram a sua tenacidade e disciplina, e treinaram massivamente “gauleiters”  que agora estão por todo lado, nesta Europa, a exercer o poder em nome da Alemanha. Genialidade, não há dúvida, duma Alemanha, que, talvez ninguém já perceba, continua oficialmente a ser um país ocupado pelos vencedores da Guerra – EUA, UK e a França. Afinal a Alemanha só foi libertada pelo principal vencedor da Guerra - a Rússia -, mas parece que esse facto se tornou num incentivo para colocar de novo esse pais na categoria de inimigo principal… Estarão esquecidos da história?

A Grécia foi obviamente humilhada, pelas instituições europeias às ordens da Alemanha, mas na realidade quem foi verdadeiramente humilhada foi toda a Europa e em especial a esquerda europeia. Esquerda, que afinal, acaba por colher os resultados da sua inabilidade e contradições crónicas. Em 60 anos de pós guerra, nunca encontrou plataformas comuns de ação, nunca demonstrou uma nesga da sua natureza internacionalista. A direita da Europa governa à vontade pois encontra sempre formas de sobreviver à custa duma esquerda que promove a divisão entre si, que empurra setores sociais pouco politizados ou amplas camadas das classes médias para os equívocos braços da direita.

Com Marx nasceu a ideia de que, conhecendo a “mecânica” do processo histórico, a inevitabilidade de esperar que um modo de produção se esgote para iniciar um outro mais avançado, poderia ser antecipado. Para tanto bastavam criar organizações políticas (de esquerda) que entendessem esta realidade e que, através de alianças hábeis, tomassem o poder e desse modo lograriam abreviar os sofrimentos da humanidade. Mas não foi isso que temos assistido, pelo menos por aqui, na Europa. Desde há anos que se impunham posições comuns, coordenadas, das organizações de esquerda. Mas nada vemos de substancial. Pelo contrário: assistimos a uma luta feroz entre organizações de esquerda para reduzir a influência de outras organizações congéneres nas eleições em que participam… Onde para o internacionalismo, a solidariedade, a superioridade moral da esquerda? Quem se lembra das “frentes populares” que atrasaram os avanços dos nazistas e que, em alguns casos, os derrotaram?

É caso para dizer: com as atuais esquerdas as direitas podem fazer o que quiserem. Na América Latina parece que as esquerdas começaram a aprender alguma coisa mas aqui na Europa, tarda, tarda. Que será preciso para aprender? Uma nova guerra?


Daniel D. Dias

quarta-feira, 8 de julho de 2015

Democracia: Verdades e falsidades correntes



É sabido que a ideia da democracia fascina porque é entendida como o regime das liberdades e da igualdade. Há décadas que se divulga esta ideia de modo tão simplista e sistemático que o público já a interiorizou sem discussão. Em democracia (pelo menos formalmente) todos têm mais direitos e garantias de tratamento igualitário do que em qualquer outro regime. Mas como explicar que as democracias vigentes registem tantas e tão enormes desigualdades entre os seus cidadãos, não se distinguindo frequentemente dos regimes não democráticos? A explicação mais comum é que tal facto é consequência da “livre iniciativa” que é um dos principais apanágios da democracia. Esta apregoada característica da democracia é pródiga a gerar oportunidades e em consequência, são favorecidos os mais audazes, os mais criativos, os mais trabalhadores… Naturalmente, os que não arriscam, os que não têm criatividade, os que trabalham pouco, são penalizados.

Mas será assim mesmo? As diferenças de qualidade entre humanos - uma convicção tão cara aos adeptos das “raças superiores” ou do “darwinismo social”, que, descarada ou sub-repticiamente, continua a proliferar -, será tão real que as desigualdades que se registam no mundo, e que não param de se agravar, são mesmo resultado dessa “livre iniciativa”, que está aí, disponível ao alcance de todos?

Pode admitir-se “de jure” que “os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos” – como proclama o artigo 1º da Declaração Universal do Direitos do Homem, adotada pelas Nações Unidas em 1945 -, mas nunca nascerão “de facto” em condições de igualdade. Uns nascem de famílias estruturadas; outros nascem sem pai, ou são abandonados à nascença. Uns nascem num ambiente cultural estável, enriquecedor; outros são filhos de famílias incultas ou analfabetas. Uns nascem em casas higiénicas e confortáveis, outros nascem em pardieiros insalubres e inseguros. Uns já são ricos quando nascem; outros são filhos de desempregados que vivem na miséria… Por isso a ideia de que basta haver democracia para haver igualdade é profundamente hipócrita e falsa. Para que a democracia seja, de facto, o “governo do povo e para o povo” e que assegure “o maior bem para o maior número”, é preciso que não se limite ao sufrágio universal e à igualdade perante a lei. É preciso também que crie condições de igualdade à partida. Seja através do Estado Social, seja através doutro qualquer modelo político humanista, é imprescindível que a democracia assegure também as condições base da existência – segurança, alimentação, saúde, educação, habitação – de forma generalizada e igualitária. Só depois deste pressuposto assegurado é que se poderá afirmar que existem condições para o exercício duma verdadeira competividade.

Todavia os seres humanos não são de facto iguais. As doutrinas que até agora promoveram o igualitarismo deram mau resultado. Remunerar por igual o que se esforça e o preguiçoso não estimula o aperfeiçoamento nem a dedicação ao trabalho. Cada ser humano é um caso, e como tal deve ser tratado. As características individuais devem ser cuidadosamente enquadradas por forma a promover todo o potencial de que cada ser humano portador. As especificidades dos seres humanos são desafios estimulantes e enriquecedores. Se as condições à partida estiverem asseguradas, os potenciais individuais surgirão e uma competitividade genuína e saudável nascerá daí. Seguramente destacar-se-ão os melhores e alguns ficarão para trás, mas esta clivagem, será natural, aceite por todos. Não aportará invejas, frustração, conflitos sociais, como os que se assistem na atualidade, um pouco, por todo o mundo.

A democracia é importante – fundamental mesmo - mas não deve ser usada para mascarar realidades. Por exemplo, comparar os sucessos de países ricos com os insucessos de países pobres atribuindo-os às suas práticas democráticas, pode ser um grande equívoco. Mas não há dúvida: A democracia deve ser aprofundada e apoiada num ambiente social materialmente favorável, para dar resultados. Poder-se-á dizer que uma democracia que não promova desenvolvimento é uma falsa democracia ou uma democracia em risco de deixar de o ser. Do mesmo modo se poderá afirmar que um desenvolvimento que não promova a democracia, que não a melhore ou se oponha a ela, é um desenvolvimento socialmente frágil, potencialmente conflituoso.


Daniel D. Dias

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Umberto Eco e as redes sociais



Umberto Eco afirmou recentemente: "As redes sociais vieram dar voz aos imbecis" que antes "apenas falavam nos bares, depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a colectividade". E Eco acrescentava, lamentando: “Normalmente, eles (os imbecis) eram imediatamente calados, mas agora têm o mesmo direito à palavra que um Prémio Nobel”.


Francamente não vejo grande diferença qualitativa entre as intervenções nas redes sociais de Prémios Nobel, como as de Obama (que é Prémio Nobel), ou de doutores como Cavaco Silva ou César das Neves, e a rudimentar "vox populi" dos muitos iletrados imbecis que andam por aí igualmente a dizer disparates. Terão estes privilegiados (letrados) mais direito de proferir disparates que qualquer imbecil iletrado? Pelo menos em matéria de disparates sejamos democráticos...


Para mim o mais preocupante é o tremendo poder manipulador que as redes sociais põem ao dispor de especialistas que as usam para causar prejuízos deliberados a milhões de pessoas. Basta pensar nas "Primaveras Árabes" ou nas mentiras que se difundem na luta contra o terrorismo.


Resumindo: Contrariamente a Eco, o que me preocupa não são os idiotas que usam as redes sociais. O que me preocupa são os letrados e inteligentes cuja missão parece ser usar as redes sociais para criar e depois manipular cada vez mais idiotas...

Daniel D. Dias

domingo, 7 de junho de 2015

Os estranhos critérios da Justiça portuguesa


A propósito do fim do ano escolar de alguns dos meus netos, passei uma parte do dia de hoje a visitar exposições, eventos, e outras atividades lúdicas e culturais organizadas por alunos e professores, numa daquelas escolas reconvertidas - modernizadas - no âmbito do programa Parque Escolar promovido pelo anterior governo, programa que o atual governo diabolizou e quase extinguiu. Foi um dia inesquecível, fascinante, algo que me orgulho de ver e que, estou certo, não deixou ninguém indiferente, alunos, pessoal docente, familiares, que por lá passaram.
De repente ocorreu-me esta reflexão: o principal responsável por este indiscutível progresso, está preso há vários meses, embora sem ter sido acusado de nada em concreto, e uma das suas ministras da educação foi entretanto condenada, acusada duma muito estranha "prevaricação". Entretanto, hoje ainda, tomo conhecimento, de que João Rendeiro, responsável, esse sim indiscutível - perguntem aos milhares de credores que foram espoliados - pela falência do BPP (Banco Privado Português), foi absolvido dos graves crimes de que estava acusado...
É caso para perguntar: por que gaita de critérios se orienta a justiça portuguesa? Estranhos critérios sem dúvida: aleatórios, suspeitosos, quase até surrealistas.
Daniel D. Dias

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Rogério e o Benfica



Poderá afirmar-se, com pouco ou nenhum exagero, que a vida de Rogério Narciso, ou simplesmente, de Rogério, – que ainda há dias completou 63 anos - surgiu e sempre decorreu numa espécie de ligação simbiótica com o Sport Lisboa e Benfica. Certamente que o seu caso não é único neste país que tanto se identifica com este clube. O Benfica, nasceu, cresceu e consolidou-se como grande clube desportivo, porque cedo soube identificar-se com a idiossincrasia – a alma –  da grande maioria dos portugueses, da qual recolheu a sua generosa  energia, mas também graças à iniciativa, à resistência e ao engenho de inúmeros “carolas” e animadores – como aliás é tradição entre nós. Carolas e animadores dos quais Rogério é, nesta altura, um exemplar clássico.

O Benfica transformou-se num fenómeno especial, mesmo a nível mundial. A singular originalidade de se ter identificado com o povo português tornou-o numa referência até para aqueles que em Portugal não são benfiquistas. E o seu exemplo frutificou um pouco por todo o lado - no pais e até no estrangeiro -, mesmo entre os seus adversários.
O Benfica é – ainda hoje - uma espécie de “alter ego” para muitos portugueses, e há razões objectivas para que assim seja. Especialmente nos três primeiros quartos do século passado, a vida foi particularmente difícil para o povo português, que teve de trabalhar duramente para lograr sobreviver. Enfrentaram-se várias guerras e a miséria crónica, que assolou o país  por décadas, empurrou os portugueses para a emigração que era feita em condições penosas para países distantes e por vezes hostis.  A gente portuguesa vivia carenciada por algo genuíno e próprio, que lhe devolvesse o orgulho nas suas raízes, que lhe ajudasse a suportar as inúmeras humilhações, saudades e desgostos, que tinha que suportar. Algo que lhe pusesse em alta a sua autoestima continuamente debilitada pelos longos períodos de dificuldades, pela depressão associada à pobreza, pelo sentimento de marginalidade, e até de humilhação que teve de suportar. O Benfica foi o fenómeno que ressuscitou “magriços”, forças e orgulhos esquecidos e ajudou os portugueses a suportar as durezas da vida. Houve, claro, outros fenómenos, estimulantes, aglutinadores, mas nenhum teve a projeção, a extensão  e a dimensão que o Benfica atingiu.

Com a melhoria das condições de vida, com as naturais mudanças que o êxito e o progresso sempre trazem, o Benfica foi mudando especialmente nas últimas décadas. Para um leigo como eu, sobressaem especialmente as mudanças de imagem, notadamente a da “Catedral”. As velhas – mas grandiosas – instalações da antiga Catedral, mudaram. As atuais são mais feéricas, mais modernas, mais confortáveis, mais funcionais. Faziam falta, mas talvez se tenha  diluído em modernidade alguma da antiga mística – ou da reverência - que vinha lá dos tempos do Eusébio, do Coluna, do Águas. O velho estádio era também um símbolo do Benfica, da sua grandiosidade, da sua mística, dessa idiossincrasia que atrás falei: foi construído por subscrição dos seus sócios, escudo a escudo, por sócios que ofereciam saquinhos de cimento para as obras. Não é mito: Foi mesmo assim.
Mas não houve só mudanças de imagem. Houve um tempo, não muito distante, em que os jogadores do Benfica eram exclusivamente portugueses. Não se tratava de qualquer manifestação de chauvinismo. Nesses tempos não se pensava assim. Gostava-se de apostar no que era português, mesmo que fosse português com origem nas ex- colónias, o que era algo mui “sui generis” e original naquela época pois nunca “metia política”, mesmo quando era evidente que a política andava a rondar por lá. Parecia ser isto que o povo gostava (ou que precisava de gostar) na altura. E acho que foram bons tempos. Ainda hoje, nas antigas colónias, tanto quanto sei, abundam os “doentes” pelo Benfica…

O Benfica sempre foi “uma casa grande” onde pobres e ricos coabitavam sem grandes conflitos. Acho que não exagero se falar numa solidariedade benfiquista, feita de convívio, de amizade e muita, muita, carolice.
É por isso que hoje me lembro do Rogério - do Homem da Bandeira -  herdeiro do saudoso Valentim. Deram-lhe o nome, lá no Alentejo profundo onde nasceu, do antigo astro do Benfica – Rogério “Pipi”. Naturalmente para puxar a sorte que escasseava e que ainda assim não lhe evitou os caminhos da emigração. Mas, no meio das peripécias duma vida aventurosa e difícil,  Rogério sempre apoiou o Benfica: levou-o, reproduziu-o, por todo o lado por onde passou. Acompanhou o Benfica - sempre a suas expensas -, por todo o lado, animando, dando nas vistas, com a sua gigantesca bandeira (que talvez tivesse  contribuído, sabe-se lá,  para as várias operações à sua coluna doente). Nunca pediu nada ao Benfica, pois, a sua recompensa  sempre foi, e continua a ser, o convívio com os adeptos, as vitórias que o clube lhe vai dando, e, sobretudo  a fé e a genica que o Benfica sempre lhe transmitiu.

Conheço o Rogério há muitos anos e sei que ultimamente as coisas não lhe têm corrido de feição. A crise? Claro . A crise. Mas principalmente a saúde. A sua saúde tem vindo a declinar. As costas, os diabetes... Entretanto adoeceu-lhe a mulher e a netinha também andou com problemas.  Os negócios esses não têm corrido bem. Mas a luta não parou e no meio disto tudo avançou com novas iniciativas. Mas agora surgem as más notícias para ele. Podem não ser mesmo verdadeiras más noticias mas são notícias daquelas que assustam. Entendem? Nesta segunda feira Rogério ia saber resultados mais concretos… Definitivos, talvez, sobre o seu estado de saúde. Não voltei a falar com ele desde domingo. Sei que estava preocupado com o assunto, expectante, mas, apesar disso, continuava a fazer força, a puxar os outros, para a frente, para a luta…

O Benfica continua glorioso e este ano reforçou a sua aura de campeão. A festa podia ter corrido melhor não fosse alguns incidentes infelizes, cuja responsabilidade não pode ser atribuída ao clube. Mas houve festa e gala. Rogério ficou contente, e, claro está, também festejou. Mas a nível familiar. O Benfica renovado, não se lembrou do Homem da Bandeira; nem um convite para os festejos lhe mandou … E há muito que não o faz.

Sei que o Rogério não é homem para pensar mal quanto mais para dizer mal do Benfica. Por isso não se queixará, nem dirá nada. Mas tenho a certeza que está triste. Sei que se lembra de outros tempos em que o Benfica parecia mais fraterno, mais de acordo com a sua tradição. Um tempo em que as pessoas se lembravam dele, se preocupavam em saber se estava vivo… E é por isso que escrevi esta já longa nota.

Faço votos para que as notícias desta segunda feira para o Rogério, tenham sido boas e aproveito para perguntar:
O Benfica sem o Homem da Bandeira  (e provavelmente sem muitos outros homens como o Rogério, porque o Benfica é muito grande) será o mesmo Benfica? Bem sei que as renovações mais do que necessárias, são inevitáveis. Mas não deverão preservar o passado e sobretudo a afetividade que une os sócios? Ou o caso do Rogério não poderá ser um indício de que o Benfica tende a tornar-se em mais um clube empresa, como vai acontecendo por esse mundo fora. Um clube avançado, claro, mas sem chama verdadeira, com uma mística trabalhada por estudiosos e preservada em locais especializados , que cultiva os afetos a que obrigam a responsabilidade social das empresas? Espero que o Benfica avance mas que saiba conciliar as coisas e preservar os amigos. Afinal modernidade e tradição não são incompatíveis.

Bem haja Rogério. Votos de rápidas melhoras.


Daniel D. Dias

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Palermas: Palmiras há muitas!



Afinal a política – USA/OTAN/CE - de apoiar “rebeldes moderados” e de continuar a atacar o que resta dos regimes laicos da região – no caso, o da Síria de Bashar al Assad - , vai dando os seus resultados. Nos últimos tempos o Exército Sírio vai perdendo posições estratégicas e até já sofre ataques na capital Damasco coisa que há muito não acontecia. O proto Prémio Nobel da Paz, Obama, (o tal que antes de o ser já o era) deve exultar com a genialidade evidente da sua geoestratégia. Agora o “estado Islâmico” capturou a cidade de Palmira – património histórico da humanidade, até agora bem preservado pelo ditador oftalmologista laico, Assad – e ponto estratégico e militar crucial na região. Claro, vai certamente haver “danos colaterais”, entre eles a possibilidade de ser destruída uma cidade milenar, única no mundo. Mas para povos que têm com referência cultural maior, cidades como Las Vegas, construídas também elas em desertos para amantes de lupanares exóticos, que importância terá isso? Talvez no final da destruição de Palmira ainda reste algum espaço para construir uma disneylândia “a la mode” do califado e de Erdogan, compatível com as exigências culturais dos colonatos do sr. Netanyahu…

É caso para dizer: vale mais um jhiadista “de confiança” na mão que um Assad laico pelas redondezas.

Palermas: Palmiras há muitas… E “Je souis Palmira”! Não viram já?

Daniel D. Dias


terça-feira, 19 de maio de 2015

Exames e culto da desigualdade



A ideia de que as crianças progridem mais – se tornam mais competitivas - se cedo forem habituados à clivagem dos exames, tal como era feito há cinquenta anos atrás, está a ser introduzida hipócrita e sub-repticiamente, sob o pretexto de combater o “facilitismo” e as famosas passagens administrativas. Na verdade o modelo que está a ser reintroduzido só vem agravar o problema da divisão da sociedade entre escolarizados e não escolarizados, como se isso fosse algo justo, natural e inevitável. Os exames seriam uma forma de introduzir mais justiça no sistema, mas não é verdade. Este modelo, comprovadamente, aumenta o abandono escolar e não resolve o combate às passagens administrativas nem garante que o facilitismo não continue a proliferar.

 É preciso entender que por de trás desta clivagem em fase de ensaio estão todas as outras que justificam a existência “natural” duma sociedade constituída por classes. A ideia (laica e republicana) do igualitarismo humano fica reduzida à sua expressão simbólica e “espiritual”,  tão paradigmaticamente expressa no clássico “somos todos iguais (ou irmãos) em Cristo”…  Em tudo mais, claro está,  somos desiguais – e devemos, pelos vistos, a continuar a sê-lo…

O primeiro preceito – e o mais sagrado – da Declaração Universal dos Direitos do Homem (uma herança da Revolução Francesa) é a de que, “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. Nada mais  indiscutível e verdadeiro se todos os homens dispusessem também - à nascença - das mesmas garantias de acesso ao alimento, à habitação, aos cuidados de saúde, à segurança (familiar e societária) e à educação. Infelizmente sabemos que não é assim e é por isso que o Estado Social – ou o que resta dele - continua tão indispensável pois é o único instrumento social que colmata parte das desigualdades sociais mais gritantes com que a maioria das pessoas nasce.

É bom de ver que uma criança, mal alimentada, que vive num ambiente cultural pobre, que faz parte duma família desestruturada, que não tem condições adequadas para brincar ou para estudar, não está nas mesmas condições do que uma criança que vive num ambiente dito normal. Por outro lado há que dizer que a verdadeira igualdade só pode concretizar-se se for reconhecido que a essência da natureza humana é a singularidade. Cada ser tem as suas necessidades específicas, o seu potencial a realizar e é nisso que consiste a igualdade humana. É por isso que nos desportos se joga por escalões, que há campeonatos para homens e para mulheres, que há olimpíadas para “normais” e para “deficientes”. É por isso que as performances obtidas nos exames podem ser tão enganadoras.

O ensino pode ter escalões, classificações, mas nunca deve dar origem a classes, como acontecia no passado. As passagens de ano podem ser condicionadas, “esticadas”, diferidas, mas nunca consubstanciadas. Se uma criança “está a ficar para trás”- se alguém deu por isso -, que se investiguem as razões e se resolva o problema. Se não chegar um professor ou um assistente para a tarefa, que se recorram a dois. Se o problema não estiver na escola, mas na casa ou na família (se houver casa ou família), que se recorra a assistentes sociais, ou a outros especialistas. Mas que não venham com a desculpa de há falta de recursos. Recursos são o que mais abunda por aí. Não falta gente desocupada, com qualificações, que precisa de emprego. É bom que se tenha já em vista que as perspectivas de emprego no futuro – se houver futuro – com mais ciência ou menos ciência, é o de tomarmos conta uns dos outros...

Aos fóbicos da economia, aos que se preocupam com os custos destas operações, sugiro que pensem nisto: Sempre será melhor gastar dinheiro procurando melhorar a qualidade das pessoas do que gastá-lo em armas e sistemas repressivos para combater organizações criminosas ou delinquentes que nunca pararão de crescer se as coisas continuarem como estão na atualidade.

As crianças precisam de melhorar as suas qualidades cívicas, a sua interação com o mundo real, tal como aprofundar os seus conhecimentos em matemática e português. Fazer testes (exames) – não exclusivos à matemática e ao português - para estimular a aprendizagem podem ser bons instrumentos desde que não se limitem a essas disciplinas e não sejam um disfarce para introduzir um ensino estratificador de classes sociais. Se houver diferença nas crianças, diferença resultante de limitações psicofísicas, os índices ou classificações assinalarão as diferenças, sem necessidade de relevar diferenças de classe. A natureza dos seres vivos é realizar o máximo do seu potencial intrínseco, seja ele de que natureza for. A escola serve especialmente para ajudar a concretizar esse objetivo e não para medir níveis de memória ou habilidades especiais, que, frequentemente disfarçam mediocridades mais do que evidenciam qualidades.

E já agora: porque se vai desinvestindo nas artes – especialmente na música – mas também nas performativas e plásticas? Não é também mais um sinal (negativo) de que um ensino classista, discriminador, um culto da desigualdade, está em crescendo?


Daniel D. Dias

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Lições do Lucas



O Lucas é o meu neto mais novo, tem pouco mais de 2 anos e ainda fala luquês – lubês, na versão do meu outro neto, Vicente - embora eu tenha quase a certeza de que conhece a língua comum muito melhor do que dá a entender. Ele lá terá as suas razões para se expressar naquela língua muito económica em léxico mas muito ampla em semântica e ultraflexível  em sintaxe. Por exemplo: uma palavra em luquês pode ter várias significações dependendo do contexto que, como é frequente nesta fase da vida, varia num ápice dum momento para o outro. Não é uma enorme vantagem?

O Lucas é obviamente “o bebé mais bonito do mundo” – como são, aliás, todos os bebés, especialmente os mais novos -  embora tenha acanhamento em reconhecê-lo. Quando às vezes lhe faço a pergunta - só para testar a sua auto estima -, ele desvia a atenção para outro tema ou então, provocatoriamente, indica o nome de outro bebé.

O Lucas pratica luquices que são coisas que ele inventa normalmente para se divertir, aprender ou então para experimentar qualquer coisa nova.  Por vezes essas luquices servem também para passar o tempo, quando já está cansado ou quando está prestes a aborrecer-se.

Algumas dessas luquices são verdadeiras lições para mim. Reparem nesta.

Um dia destes o Lucas experimentou deitar duas bananas, boas e intactas, no caixote do lixo da reciclagem. Não fez aquilo às escondidas. Fê-lo bem à minha frente; percebia-se que se tratava duma experiência. Claro, fui logo atrás, sem alardes nem ameaças, retirar as bananas do caixote, sempre avisando que aquilo não se devia fazer: o lixo é para coisas que não prestam e as bananas estavam boas.
Lucas prestou atenção a tudo e não pareceu em nada intimidado. Uns momentos depois aproximou-se de mim, que estava sentado ocupado com outra coisa, e puxou-me delicadamente a mão. Colocou-me a palma virada para cima, tudo com imensa delicadeza, e fez o gesto de me dar uma palmadinha. Uma espécie de simulacro de castigo.  Depois, virado para mim, de indicador bem esticado pedagogicamente a abanar, admoestou-me com um veemente “Não, não!” Traduzido do luquês, tudo aquilo queria dizer: “Não se podem deitar bananas no lixo porque é mal feito e podes ser castigado por isso. Não voltes a fazer”.

Naquele momento, de repente, apercebi-me desta interessante forma que as crianças utilizam – quando podem! – para aprender regras de conduta. Um castigo – mesmo pequeno - é algo que lhes custa aceitar. Mas desde muito pequenas elas têm a noção de que algo que seja errado deve ser corrigido, o que pode implicar um receado castigo. Que fazer então? Transformar a necessária correção num jogo – numa espécie de faz de conta – com a colaboração dum adulto no qual tenham confiança. O castigo para uma criança é algo independente do prevaricador. É preciso é que o acontecimento errado ou negativo,  obtenha a devida condenação. Seja qual for a forma. A pessoa também é indiferente. É o ato que se castiga, não tem de ser a pessoa! Transferem então o ato de castigar para alguém mais apto a aprender a lição, mais capaz de “suportar” o castigo. Alguém que aprenda a lição pela criança, sem se zangar. Isto só pode ser feito com alguém de quem se gosta e em quem se tenha toda a confiança. E a criança aprende a lição, sem precisar de castigos! Inteligente não é?

A lição é esta: para uma criança ainda não contaminada por ideias “justiceiras” e “moralistas”, o ato errado é que precisa de castigo – para ser evitada a sua repetição no futuro. Não é quem comete o ato que deve ser condenado MAS O QUE FOI MAL FEITO, O QUE CORREU MAL. É por isso que quase todas as crianças apreciam que se “castigue” o sítio – dando umas palmadinhas, por exemplo, na esquina do móvel -, onde bateram acidentalmente com a cabeça…

Se os nossos pedagogos, moralistas e justiceiros, que enxameiam a sociedade, prestassem mais atenção às crianças e aprendessem mais com elas - em vez de persistirem em torná-las “civilizadas”, “educadas” e “competitivas” -, talvez o mundo estivesse mais funcional, mais justo, e, sobretudo, mais feliz.

Daniel D. Dias

domingo, 3 de maio de 2015

MERDRA!



Sinto que as pessoas desanimam, que se resignam a aceitar toda a espécie de comportamentos abusivos, desumanos, embora continuem a manifestar alguma revolta quando são ”abanados” por qualquer coisa expressiva dessa realidade. Muitas atribuem  esse estado de coisas à política, à má qualidade dos políticos, à (inevitabilidade) da corrupção, a desonestidade (intrínseca) do ser humano, à eventual decadência dos costumes, etc., etc.  Mas raramente vão além deste patamar.

Perdoem-me o desabafo mas é mesmo isto o que sinto:

As pessoas – a sua maioria pelo menos – estão sempre disponíveis para prestar toda a atenção a “fait divers” chocantes, para se indignarem com acidentes aparatosos, crianças ou animais ternurentos a ser mal tratados, denúncia de roubos, manifestações de violência doméstica, uso abusivo e descarado de bens públicos, atos de crueldade cometido por terroristas, comportamentos aberrantes, entre muitos outros. Quanto mais chocantes e brutais, maior a atenção dispensada. Até parece haver um certo gozo doentio na observação destes casos que submergem os “media” a toda o momento. Porém na prática não parecem assim tão sensíveis. Borrifam-se para  entender as origens – as causas - desses fenómenos. Não só não fazem o mais pequeno esforço para descobrir a génese dessas desgraças, como  se contentam  com as explicações simplórias que lhe são fornecidas por “especialistas” que as tratam como crianças pequenas.

Na prática as pessoas estão-se nas tintas para as causas dos problemas. É sabido que na génese da maioria dos problemas está a desigualdade de oportunidades à partida, os tratamentos discriminatórios que persistem, a educação insuficiente e desadequada, a falta de participação nas instituições públicas, a falta de organização ou a gestão deficiente. Colher informação séria (também a há disponível na internet) investigar a génese dos acontecimentos, interessar-se pela história – não por “histórias”-, avaliar criticamente o que se lê, talvez ajudasse a criar um público com massa crítica  suficiente para influenciar os acontecimentos negativos que nos assolam e eventualmente revertê-los… Conhecer é o primeiro passo para resolver qualquer problema – não é verdade? E talvez este comportamento ajudasse “a animar a malta”: Sem ânimo não chegamos a lado nenhum…

Mas a vida já é tão aborrecida, não é verdade? Porquê gastar o nosso tempinho a tentar perceber qual é a génese da corrupção ou da violência – doméstica ou de outra qualquer? Um artigo com mais de cinco linhas não e já um excesso?  Que adianta saber as razões porque elegemos políticos que sistematicamente nos desiludem? No final não vai ficar tudo na mesma?

É caso para dizer: MERDRA!
(Não digo MERDA para não ofender ninguém…)

Daniel D. Dias

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Da dificuldade em mudar de opinião



Espantam-se muitos com a aparente dificuldade que as pessoas manifestam em mudar de opinião – para corrigi-la eventualmente - face a repetidos resultados insatisfatórios. Não se apercebem que quase toda a gente, muito antes de aderir a uma ideia, já está modelado por ela, disponível para aderir ao seu conteúdo sem lhe obstar grandes exigências críticas. Porque é isto assim? Haverá outras razões  mas a principal  talvez seja, a comodidade, o conforto que proporciona sentir que nos identificamos com um determinado grupo que pensa de uma certa forma. Deste modo não corremos o risco de ficarmos a defender ideias sozinhos, por exemplo, a vociferar que o rei vai nu, arriscando a sermos tomados por  loucos.



Daniel D. Dias