Poderá afirmar-se, com pouco ou nenhum exagero, que a vida
de Rogério Narciso, ou simplesmente, de Rogério, – que ainda há dias completou
63 anos - surgiu e sempre decorreu numa espécie de ligação simbiótica com o
Sport Lisboa e Benfica. Certamente que o seu caso não é único neste país que
tanto se identifica com este clube. O Benfica, nasceu, cresceu e consolidou-se
como grande clube desportivo, porque cedo soube identificar-se com a
idiossincrasia – a alma – da grande
maioria dos portugueses, da qual recolheu a sua generosa energia, mas também graças à iniciativa, à
resistência e ao engenho de inúmeros “carolas” e animadores – como aliás é
tradição entre nós. Carolas e animadores dos quais Rogério é, nesta altura, um
exemplar clássico.
O Benfica transformou-se num fenómeno especial, mesmo a
nível mundial. A singular originalidade de se ter identificado com o povo
português tornou-o numa referência até para aqueles que em Portugal não são
benfiquistas. E o seu exemplo frutificou um pouco por todo o lado - no pais e até
no estrangeiro -, mesmo entre os seus adversários.
O Benfica é – ainda hoje - uma espécie de “alter ego” para
muitos portugueses, e há razões objectivas para que assim seja. Especialmente
nos três primeiros quartos do século passado, a vida foi particularmente
difícil para o povo português, que teve de trabalhar duramente para lograr sobreviver.
Enfrentaram-se várias guerras e a miséria crónica, que assolou o país por décadas, empurrou os portugueses para a
emigração que era feita em condições penosas para países distantes e por vezes
hostis. A gente portuguesa vivia
carenciada por algo genuíno e próprio, que lhe devolvesse o orgulho nas suas
raízes, que lhe ajudasse a suportar as inúmeras humilhações, saudades e
desgostos, que tinha que suportar. Algo que lhe pusesse em alta a sua autoestima
continuamente debilitada pelos longos períodos de dificuldades, pela depressão
associada à pobreza, pelo sentimento de marginalidade, e até de humilhação que
teve de suportar. O Benfica foi o fenómeno que ressuscitou “magriços”, forças e
orgulhos esquecidos e ajudou os portugueses a suportar as durezas da vida.
Houve, claro, outros fenómenos, estimulantes, aglutinadores, mas nenhum teve a
projeção, a extensão e a dimensão que o
Benfica atingiu.
Com a melhoria das condições de vida, com as naturais
mudanças que o êxito e o progresso sempre trazem, o Benfica foi mudando especialmente
nas últimas décadas. Para um leigo como eu, sobressaem especialmente as mudanças
de imagem, notadamente a da “Catedral”. As velhas – mas grandiosas –
instalações da antiga Catedral, mudaram. As atuais são mais feéricas, mais
modernas, mais confortáveis, mais funcionais. Faziam falta, mas talvez se tenha
diluído em modernidade alguma da antiga mística
– ou da reverência - que vinha lá dos tempos do Eusébio, do Coluna, do Águas. O
velho estádio era também um símbolo do Benfica, da sua grandiosidade, da sua
mística, dessa idiossincrasia que atrás falei: foi construído por subscrição
dos seus sócios, escudo a escudo, por sócios que ofereciam saquinhos de cimento
para as obras. Não é mito: Foi mesmo assim.
Mas não houve só mudanças de imagem. Houve um tempo, não
muito distante, em que os jogadores do Benfica eram exclusivamente portugueses.
Não se tratava de qualquer manifestação de chauvinismo. Nesses tempos não se
pensava assim. Gostava-se de apostar no que era português, mesmo que fosse
português com origem nas ex- colónias, o que era algo mui “sui generis” e
original naquela época pois nunca “metia política”, mesmo quando era evidente
que a política andava a rondar por lá. Parecia ser isto que o povo gostava (ou
que precisava de gostar) na altura. E acho que foram bons tempos. Ainda hoje,
nas antigas colónias, tanto quanto sei, abundam os “doentes” pelo Benfica…
O Benfica sempre foi “uma casa grande” onde pobres e ricos
coabitavam sem grandes conflitos. Acho que não exagero se falar numa
solidariedade benfiquista, feita de convívio, de amizade e muita, muita,
carolice.
É por isso que hoje me lembro do Rogério - do Homem da Bandeira
- herdeiro do saudoso Valentim.
Deram-lhe o nome, lá no Alentejo profundo onde nasceu, do antigo astro do
Benfica – Rogério “Pipi”. Naturalmente para puxar a sorte que escasseava e que ainda
assim não lhe evitou os caminhos da emigração. Mas, no meio das peripécias duma
vida aventurosa e difícil, Rogério sempre
apoiou o Benfica: levou-o, reproduziu-o, por todo o lado por onde passou.
Acompanhou o Benfica - sempre a suas expensas -, por todo o lado, animando,
dando nas vistas, com a sua gigantesca bandeira (que talvez tivesse contribuído, sabe-se lá, para as várias operações à sua coluna doente).
Nunca pediu nada ao Benfica, pois, a sua recompensa sempre foi, e continua a ser, o convívio com
os adeptos, as vitórias que o clube lhe vai dando, e, sobretudo a fé e a genica que o Benfica sempre lhe
transmitiu.
Conheço o Rogério há muitos anos e sei que ultimamente as
coisas não lhe têm corrido de feição. A crise? Claro . A crise. Mas
principalmente a saúde. A sua saúde tem vindo a declinar. As costas, os diabetes...
Entretanto adoeceu-lhe a mulher e a netinha também andou com problemas. Os negócios esses não têm corrido bem. Mas a
luta não parou e no meio disto tudo avançou com novas iniciativas. Mas agora surgem
as más notícias para ele. Podem não ser mesmo verdadeiras más noticias mas são notícias
daquelas que assustam. Entendem? Nesta segunda feira Rogério ia saber
resultados mais concretos… Definitivos, talvez, sobre o seu estado de saúde.
Não voltei a falar com ele desde domingo. Sei que estava preocupado com o
assunto, expectante, mas, apesar disso, continuava a fazer força, a puxar os
outros, para a frente, para a luta…
O Benfica continua glorioso e este ano reforçou a sua aura
de campeão. A festa podia ter corrido melhor não fosse alguns incidentes
infelizes, cuja responsabilidade não pode ser atribuída ao clube. Mas houve
festa e gala. Rogério ficou contente, e, claro está, também festejou. Mas a
nível familiar. O Benfica renovado, não se lembrou do Homem da Bandeira; nem um
convite para os festejos lhe mandou … E há muito que não o faz.
Sei que o Rogério não é homem para pensar mal quanto mais
para dizer mal do Benfica. Por isso não se queixará, nem dirá nada. Mas tenho a
certeza que está triste. Sei que se lembra de outros tempos em que o Benfica
parecia mais fraterno, mais de acordo com a sua tradição. Um tempo em que as
pessoas se lembravam dele, se preocupavam em saber se estava vivo… E é por isso
que escrevi esta já longa nota.
Faço votos para que as notícias desta segunda feira para o
Rogério, tenham sido boas e aproveito para perguntar:
O Benfica sem o Homem da Bandeira (e provavelmente sem muitos outros homens como
o Rogério, porque o Benfica é muito grande) será o mesmo Benfica? Bem sei que as
renovações mais do que necessárias, são inevitáveis. Mas não deverão preservar
o passado e sobretudo a afetividade que une os sócios? Ou o caso do Rogério não
poderá ser um indício de que o Benfica tende a tornar-se em mais um clube
empresa, como vai acontecendo por esse mundo fora. Um clube avançado, claro, mas
sem chama verdadeira, com uma mística trabalhada por estudiosos e preservada em
locais especializados , que cultiva os afetos a que obrigam a responsabilidade
social das empresas? Espero que o Benfica avance mas que saiba conciliar as
coisas e preservar os amigos. Afinal modernidade e tradição não são
incompatíveis.
Bem haja Rogério. Votos de rápidas melhoras.
Daniel D. Dias