A vida mostra que é sempre mais fácil cometer erros e
destruir do que construir e proceder acertadamente. Esta é uma lição acessível
para todos na grande escola da vida, que só quem anda muito distraído ou é desinteressado
não aprende.
Este governo que parecia ir cair a qualquer momento, apesar
de toda a sua incompetência, apesar de todas as suas contradições, acaba de
fazer dois anos! Está agora à vista de forma inequívoca – para quem tenha
disponibilidade para ver, bem entendido - que aqueles que achavam que derrubar
o anterior governo sem se preocupar com o que viria a seguir, “pois era tudo
farinha do mesmo saco”, estavam errados. A política é uma arte de escolhas, e
raramente há condições para escolher entre o “bom” e o “ótimo”. As escolhas
possíveis – quando as situações o permitem -
são geralmente entre o “mau” e o “menos mau”, quando não mesmo entre o
“mau” e o “péssimo”. Derrubar alguma coisa sem ter alternativas em mente ou é
inconsciência ou é crime.
Esta crise veio mostrar que a democracia meramente
representativa não chega, que a participação dos cidadãos “a tempo inteiro” é
indispensável para que os profissionais da política e seus “sponsors”, não a
pervertam de modo irreversível. É cómodo e fácil responsabilizar ou atribuir
culpas aos líderes que são escolhidos pelos processos tradicionais, mas
esquece-se que há sempre um tempo anterior em que é possível fazer alguma
coisa. Por exemplo evitar que os partidos se tornem lugares fechados e
solitários, incubadoras de ovos de
serpente, ou centrais de controle da opinião pública, a partir dos quais grupos
de interesse controlam a sociedade.
As novas tecnologias de comunicação, especialmente a net, vieram
dar voz a muita gente que a não tinha, mas, obviamente, não vieram fornecer
mais inteligência e bom senso a quem não tem o espírito virado para esse lado.
Em si mesmo a net, tal como o telemóvel, são instrumentos preciosos mas não
mudam a natureza humana com a mesma facilidade com que se deixam lidar. Os
grandes “media” – as TIC - potenciam da mesma forma verdades e mentiras,
disparates e boas ideias. Por isso as “Primaveras Árabes” deram origem a
resultados controversos, uns positivos e outros claramente negativos.
O protesto, a “rua”- muito catalisados pelas novas
tecnologias da comunicação -, são instrumentos poderosos mas não substituem o trabalho político de base.
As pessoas continuam mais disponíveis para protestar do que para participar e
não é percetível que tenha aumentado o número das que exigem nos seus partidos,
igrejas, escolas, organizações cívicas - nos próprios lugares de trabalho -,
mudanças de atuação, especialmente na forma de liderar e de decidir em questões
cruciais. Mudanças, diga-se, que não são coisa de pouca monta, pois estão na
génese de quase todos os problemas que agora nos afligem. As gestões ruinosas,
os desfalques gigantescos, a grande corrupção, não caíram do céu, de súbito e
anonimamente. Era algo que se processava há já muito tempo e certamente muita
gente, agora vítima desses atos, o vivenciou presencialmente. Mas deixou passar
e agora protesta. Protestar é útil mas é limitado ou até mesmo contraproducente
se não for acompanhado por outras ações, objetivos cívicos e políticos, se não
for produzido no tempo certo, na altura apropriada e não trouxer resultados palpáveis
a curto prazo. Os políticos profissionais sabem disso e não há dúvida que muitos
deles procuram nesse tipo de atuação a influência e protagonismo que de outra
forma não lograriam.
O grande público, naturalmente mais propenso à emoção que à
racionalidade, está a aderir de bom grado aos movimentos de massas, quase espontâneos
e de grande impacto, que agora vão surgindo com grande frequência, mas
geralmente cansa-se depressa. Todavia, quando não logra resultados, abre
caminho a participações oportunistas, mais organizadas, que encontram aí campo
adequado à expansão de objetivos políticos que não estavam na génese desses
movimentos. Poderá ser o que ocorre nesta altura no Brasil a meses das eleições?
A ver vamos. Poder-se-á pois concluir
que a “rua”, sem uma linha política clara e orientadora, é de resultados
incertos e até eventualmente perigosos…
A ação cívica, o aprofundamento da democracia,
designadamente, participando e exigindo mais das suas organizações políticas e
mesmo das instituições públicas, são cruciais para que os erros políticos
diminuam e que na altura apropriada se saiba escolher o que melhor convém. A
“rua” nestas circunstâncias é um excelente complemento. Mas ignorar as
instituições existentes, por mais abstrusas que sejam, é sempre um erro que se
pagará caro. Enquanto a democracia não é aprofundada a democracia que “vai
havendo” deve ser aproveitada o melhor possível. O voto é coisa pouca mas dá –
como se tem visto - para fazer chegar ao poder gente cujo objetivo fundamental
é por em causa essa democracia que resta, ou coloca-la exclusivamente ao seu
serviço, o que acaba por ser a mesma coisa.
Parece pois imperativo e prioritário, para além do
protestar, que cada um participe e seja exigente no seu domínio de intervenção cívica,
que não se deixe “levar” na onda do seu partido, clube ou igreja. Que seja
autónomo, autocentrado, consciente e
responsável. Esse é o caminho que leva à iniciativa, que incrementa a
cooperação e a solidariedade. Se assim se proceder, toda a sociedade vai
mudando e a dependência de lideranças especiais, “fortes”, “iluminadas”, vai diminuindo.
A democracia participativa é um processo complexo e
trabalhoso que implica que todos os cidadãos se assumam como políticos, que,
aliás, na verdade, é a sua real condição. O político de carreira, esse que o
povo escolhe mas que é quase sempre um serventuário de partidos e
frequentemente um fautor da corrupção, ocupará um papel cada vez menos
relevante, à medida que a participação cívica das pessoas aumente. Um povo
acordado e esclarecido, que aprende e participa, não depende de quaisquer
lideranças e, quando o deseja, encontra sempre as lideranças que mais se
adequam às suas necessidades.
A todo o momento somos chamados a fazer escolhas. Colocarmo-nos
de parte limitando-nos a protestar é deixar para terceiros a escolha que nos
compete fazer e nada impedirá que tudo continue como antes. O argumento de que
“é tudo a mesma coisa” ou que “ tudo é farinha do mesmo saco” já vimos o
resultado que dá. Por isso há que escolher estrategicamente, observar
cuidadosamente as diferenças, que sempre existem, apreciar a relação de forças
e os equilíbrios possíveis. O importante é assegurar que não se vão repetir os
mesmos erros e se vai na direção certa, mesmo que os resultados não sejam aqueles
que mais se desejam. Esta é a essência
da arte da política que está ao alcance de todos e que exige acima de tudo duas
coisas: Uma atenção isenta e acutilante e uma disponibilidade para intervir
prontamente.
Daniel D. Dias