Não sei quem estabelece os dias comemorativos,
disto e daquilo, e também o das mulheres. Sei o pretexto histórico e social mas
não sei se foram mais homens ou mulheres que se bateram por implantar este dia.
Pessoalmente vejo nesta comemoração um sinal ambíguo dos nossos tempos. Por um
lado é uma prova de que as instituições do mundo identificam os problemas e se
preocupam alguma coisa com eles. Por outro é a comprovação de que os problemas
persistem e que estão longe de serem erradicados.
Vivemos num mundo singular: Nunca a humanidade
esteve tão à beira de resolver os seus problemas básicos de sobrevivência e civilizacionais,
e nunca esteve tão próximo de os comprometer definitivamente. Tudo isso porque
pela primeira vez na história há condições técnicas, cientificas, morais e
culturais para concretizar quer uma coisa quer outra.
A sociedade patriarcal implantou-se a certa
altura da história, não por que os homens fossem superiores às mulheres, ou
mais “malvados”, mas porque o desenvolvimento civilizacional avançou com base na
sedentarização assente na propriedade. Nesse modelo social os machos humanos
dispunham de “vantagens competitivas”, como hoje se diz, por mera razão
biológica e as fémeas humanas viram-se, por milénios, relegadas para a tarefa
subalternizada, mas fundamental, de assegurar a sobrevivência da espécie e de
transmitir a sua estrutura cultural básica.
As revoluções Industriais e científicas que
ocorreram nos últimos dois séculos vieram mudar radicalmente esta situação. As
“vantagens competitivas” dos machos humanos são cada vez menos relevantes e as
mulheres paulatinamente recuperam a sua importância social. Recuperam mas ainda
não recuperaram duma maneira uniforme e generalizada em todo o mundo. Há
desigualdades marcantes entre mulheres e homens por esse mundo fora. Desde logo
desigualdades no estatuto humano, mas também no plano económico e social. E a
razão principal deste estado de coisas é antes de mais o peso da inércia do
passado que continua a ter efeitos perversos e a dificultar o progresso.
As mulheres são naturalmente o repositório
cultural da humanidade. Cultural não no sentido livresco mas no sentido mais profundo,
afetivo e moral. O primeiro contacto de qualquer ser humano com o mundo – seja
homem ou mulher - é feito por via das mães. Com o leite materno, elas
transmitem não só o alimento básico, mas também os valores que subjazem em
todos nós. São elas que moldam grande parte do caráter da humanidade. Este é um
processo em grande parte inconsciente, mas real e determinante, cuja importância a conhecida frase, “a mão
que embala o berço embala o mundo”, bem expressa.
O peso do passado, da tradição, e o apego à estabilidade,
calam mais fundo nas mulheres, não só por razões biológicas, também por razões
históricas e culturais. No passado o macho conquistava o território mas era a
fémea que o tornava habitável. O homem foi no passado, e talvez ainda hoje continue
a ser, uma espécie de caixa de ressonância da mulher. Muitas mulheres se
apagaram para que os homens brilhassem, e essa abnegação, que talvez tivesse
alguma justificação no passado, hoje já não tem qualquer sentido ou razão de
ser. As mulheres podem – devem – ser “elas próprias” brilhar por si mesmo e não por interpostas
pessoas.
Hoje o que conta é o “individuo” nas suas
similaridades e diferenciações. A família tradicional passa por momentos
complicados porque ainda não aprendeu a conviver com esta realidade. O
crescimento exponencial das chamadas famílias mono parentais – de certo modo a
negação do papel da família – é a prova viva desta crise. Os homens e mulheres
atuais ainda não aprenderam a conciliar a necessidade de desenvolvimento
individual com a vida familiar e comunitária mas estão a fazê-lo apesar dos
imensos obstáculos que têm pelo caminho.
Mas, apesar das dificuldades, a cultura
dominante está a mudar. Está a dar sinais de se tornar nem machista, nem feminista, mas simplesmente
humana. É natural que um processo ainda tão recente seja difícil de
implementar, que, aqui e ali, haja extremar de posições, exageros, estratégias
que não resultem, avanços e recuos. Mas é óbvio que se caminha para uma
civilização em que as sensibilidades masculina e feminina coabitam
harmoniosamente, se valorizam e respeitam reciprocamente sem competições
doentias entre si.
Neste processo de mudança o lado feminino da
humanidade, é, no meu entender, mais determinante que o seu lado masculino,
independentemente do protagonismo maior ou menor de cada um deles. O lado
masculino, pela sua natureza, é – sempre foi – “periférico”. O lado feminino, é,
pelas mesmas razões, “centralista”. Isto significa que não haverá nada
consolidado, em termos de mudança, se não for assumido – e assimilado -, pelas mulheres.
É por isso o incremento da participação política
das mulheres na sociedade é fundamental. Mas não uma participação política
promovida ou a reboque da iniciativa masculina, talhada na sua tradição. É
preciso que seja uma participação política, criativa, por iniciativa própria, que,
obviamente, não exclua a sã cooperação
entre sexos.
Não há libertação da humanidade se metade dos
seus membros não for livre. Por isso assinalo este Dia Internacional da Mulher
com a esperança que dentro em pouco este dia se torne trivial ou desnecessário
porque a igualdade entre seres humanos se tornou finalmente efetiva.
Vivam as Mulheres! Viva a Humanidade!
Daniel D. Dias