sábado, 31 de agosto de 2013

Alvos fáceis



Há pessoas que não tomam partido por nada porque em tudo ou em todos encontram defeitos. Esta é uma das mais comodistas – e hipócritas – formas de não participar em nada, em tergiversar de todos os problemas, e de acabar por apoiar invasões como as do Iraque ou da Líbia. Dizer que a Síria é um vespeiro, que Assad não é melhor que os insurgentes pagos e apoiados pelo Catar, Arábia Saudita, e, claro está, pela CIA, entre outros países subitamente preocupados com alguns regimes da zona do golfo, que Putin (aliado de Assad) não é melhor  que Obama, é uma forma de encolher os ombros à perigosa ingerência num país soberano, agressiva e ilegal, que EUA  e seus aliados se preparam para desencadear.


Estas pessoas esquecem-se que o mundo é muito mais pequeno do que parece e que algo que agora aparenta ocorrer longe da nossa casa de repente pode tocar-nos à porta… Que o digam as vítimas dos atentados de Atocha em 2004: Que tinham eles a ver com o que se passava no Iraque ou no Afeganistão? Cuidado com as generalizações, as indiferenças, as apreciações descuidadas. Podem tornar-nos alvos fáceis.


Daniel D. Dias

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Estranho espírito internacionaliosta...




Carla del Ponte, a insuspeitíssima amiga da OTAN, com múltiplas provas de fidelidade averbadas no seu curriculum internacional, que nunca escondeu gostar de aplicar a Bashar al-Assad o tratamento que logrou infligir a Milosevic, ainda há poucos meses, na sequência duma missão de inspeção aos crimes de guerra cometidos na Síria ao serviço da ONU, não teve dúvidas em admitir que se havia suspeitos de usar armas químicas nesse conflito eram os insurgentes e não o governo. A mesma senhora – agora claramente pressionada para ajustar a sua visão dos factos à nova orientação das suas chefias – ainda assim mantém boa parte desse seu parecer (Vide http://www.euronews.com/2013/06/07/the-realities-of-the-syrian-conflict-carla-del-ponte/.)


Quando há testemunhos deste tipo – e existem outros -, quando ocorrem ataques com armas químicas na altura em que está agendada uma conferências de paz, quando ao mesmo tempo inspetores das Nações Unidas chegam ao terreno oficialmente, quando um regime que está em vias de ganhar uma guerra fornece de bandeja argumentos a um inimigo que há muito reclama ajuda estrangeira semelhante à que foi concedida para esmagar o estado Líbio de Kadhafi, é óbvio que se está perante um miserável pretexto para desencadear uma guerra ilegal, em tudo semelhante à que foi desencadeada no Iraque.


O pior é que uma guerra destas vai ter efeitos devastadores. Para já na população que hipocritamente a chamada “comunidade internacional” diz querer proteger. Logo de seguida na região onde proliferam conflitos de toda a ordem e tensões dificilmente controláveis. Depois a nível internacional: Uma vez mais se acendem rastilhos que podem atingir proporções dantescas. Esta Europa debilitada, económica e militarmente, parece desejar confrontar-se com uma Rússia que há mais de 20 anos insiste em humilhar e desafiar uma China que ainda julga que é um “tigre de papel” dos tempos de Mao. Esta Europa que não entende que é usada como testa de ponte pelos EUA na sua patética luta para manter o seu “status” imperial, e que se recusa a ver que será a principal vítima dessa política suicida.


O mais estranho é haver partidos socialistas (?), como o caso do PS Francês, de Hollande, que se apresentam com um furor belicista a fazer lembrar os tempos napoleónicos, dispostos a avançar para a guerra ignorando a ordem jurídica internacional, que juram respeitar, e sem se importarem com a ridícula posição em que colocam o seu país às voltas com dificuldades crescentes, quase à beira da rotura social (http://www.tsf.pt/PaginaInicial/Internacional/Interior.aspx?content_id=3390099&page=-1.). Mas em Portugal, ao que parece, o PS de Seguro, também vai na mesma linha ultrapassando mesmo a ortodoxia direitista nesta matéria  (http://www.publico.pt/portugal/noticia/deputados-do-ps-questionam-governo-em-relacao-ao-uso-de-armas-quimicas-na-siria-1604110.).


Estranho espírito internacionalista que por aí vai…

 Daniel D. Dias

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Mais uma coincidência?



Na Comunicação Social internacional destaca-se hoje a notícia do provável uso de armas químicas na Guerra da Síria. Um vídeo chocante exibe pessoas, aparentemente gazeadas, em lugar incerto na Síria. São mostrados, entre outros, dezenas de cadáveres de crianças.

Nesta altura em que as tropas governamentais da Síria parecem imparáveis a vencer o conflito que grassa no país há mais de dois anos, que só se mantem ativo, é bom não esquecer, graças ao apoio das monarquias ultra reacionárias do Golfo Pérsico, numa conjugação paradoxal com as potências ocidentais que, desta vez, ao contrário do que lograram na Líbia, não conseguiram mobilizar a aviação da NATO, surge esta “providencial” notícia, que pode servir de pretexto para uma intervenção musculada a coberto da ONU, que faça, finalmente, cair Bashar al-Assad.

É bom entender que a vitória de Assad,  que já se vislumbra, significa antes de mais uma derrota das monarquias corruptas da região e o surgimento duma nova correlação de forças que perturba o “status quo” até agora favorável aos EUA e seus aliados, designadamente Israel.  É estranho que nesta fase do conflito em que aparentemente as tropas sírias já ultrapassaram os principais obstáculos, se lembrem de recorrer a armas de destruição maciça…


A notícia e o ruído que está ser feito à sua volta, faz recordar o pretexto usado para invadir o Iraque, no tempo de Saddam, que depois se verificou ser uma escabrosa invenção. Não digo que não tinham sido usadas armas químicas mas é contra toda a lógica que tenham sido usadas pelas tropas sírias. Sobretudo nesta altura. Tratar-se-á apenas de mais uma coincidência?  


Daniel D. Dias

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Dúvida



Constato a frequência com que se zurzem nos políticos profissionais. Pelo menos verbalmente. Observo os apelos que vão surgindo à insurreição, ou, com mais frequência, à abstenção ou ainda à negação do voto aos chamados partidos do arco do poder. (E apenas nesses porque dos outros pouco se fala. Parece que já se tornou rotina “aceitável” que esses fiquem sempre em situação subalterna.)

Mas se quase toda agente concorda que o problema da democracia portuguesa é não ser uma verdadeira democracia porque não reflete a vontade do povo, antes expressa o interesse dos partidos que a dominam – daí muitos chamarem-lhe, e a meu ver acertadamente, partidocracia -, era de esperar que surgissem por aí apelos a que se tomasse o poder nos partidos – de assalto ou de qualquer outro modo -, por forma a que esses instrumentos pudessem expressar o sentir e o querer dos cidadãos. Parece extravagante mas na verdade foi o que fizeram alguns rapazolas que agora estão no poder e outros que se preparam para lá entrar. Esta asserção tem por base esta lógica elementar: é seguramente mais acessível dominar a direção de um qualquer partido do que tomar a Assembleia da República ou a chefia dum Governo… Se alguém tem dúvidas que se aconselhe junto do Passos ou do Seguro e de outros que andam por aí comissários de vários partidos. Nisso eles são competentes.

Não entendo: Ou as pessoas que se queixam estão meramente a desabafar para aliviar a tensão e passar o tempo, ou simplesmente estão resignadamente de acordo com a confrangedora situação que se vive e não têm coragem para o reconhecer?


Daniel D. Dias

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Piegas em Era de Aquário

Esta malta que está no poder nesta auspiciosa Era do Aquário deve agradar muitíssimo àquela gente que insiste em ver o “lado positivo” das coisas, custe o que custar. Estão passar fome, coitados: mas estão a viver o outro lado da vida, ficam mais ricos em experiência. Ficaram sem casa: grande oportunidade para conhecer a família e os amigos que têm. Morreu por falta de cuidados de saúde: mas o seu carma libertou-se. Agora é mais uma estrela no céu...

Estamos progredir porque já não nos estamos a afundar à mesma velocidade e as provações sociais são uma oportunidade para desenvolver o nosso espírito positivo, a nossa criatividade, inventiva, um teste à nossa capacidade de sobrevivência. Talvez até nos melhore a “raça” a que aludiu há tempos o professor Aníbal... A miséria é um desafio para este (des)governo, na senda do saudoso slogan franquista, “Viva la Muerte”.

É por isso que quando nos dão notícias do estado da arte, são incrivelmente otimistas. É como se anunciassem ao doente em fase terminal:

- Alegre-se homem. Afinal o seu cancro não lhe atingiu o cérebro. Está espalhado pelo corpo mas o cérebro mantem-se limpo.
- Isso quer dizer que estou livre de perigo e vou viver mais tempo? – pergunta o doente esperançado
-Claro que não. Mas vai morrer consciente da grave situação que tem. Não é um privilégio? E tornou-se num “case study” que o projetará para a história… Seja positivo homem!

Continuamos a ser uns piegas que não estamos à altura da grandeza da governação que temos.

Daniel D. Dias

Da necessidade de empatia



Há pessoas, mesmo nas redes sociais onde somos todos amigos de alguém, que valorizam as qualidades e nobreza de caráter que julgam ter (ou gostam que os outros o façam por eles) mas que ignoram olimpicamente as dos seus parceiros. Nunca reparam na idiossincrasia de terceiros a não ser quando lhe encontram defeitos ou lhe identificam qualidades que também acham que a si lhes ficariam a matar. Nunca se expõem muito. Geralmente abrigam-se em nichos de referências consagrados, acomodam-se no conforto de opiniões seguras, formatadas, o que, de algum modo, constitui um auto elogio das suas virtudes com chancela de garantia. No fundo estão neste mundo e nestas varandas, autocentradas, pouco preocupadas em desenvolver a empatia, qualidade que permite aos seres humanos colocarem-se no lugar dos outros, ou seja, que lhes permite fazer a partilha da sua natureza humana que é o grande alicerce da paz e do progresso.  

Melhorar a autoestima é bom – por vezes indispensável - mas nunca deve ser feito à custa dos defeitos dos outros mesmo quando os defeitos dos outros são duma evidência inquestionável. Mais vale procurar através dos outros e com os outros o autoconhecimento que valoriza a autoestima ou a torna irrelevante. E isso só é viável se cada crítica, cada observação, cada conselho, forem pretextos para aplicar e desenvolver esse potencial empático que cada um dispõe.
 
Daniel D. Dias

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Sapos



A situação mundial mostra que todas as estratégias extremas conduzem ao seu oposto. Esta situação é redundante e ocorreu em todas as épocas, especialmente nos períodos de crise, e pode ser testemunhada nos mais diversos quadrantes do mundo atual.

É assim que a incapacidade (ou impossibilidade) para coabitar com Mursi, no Egipto, é pretexto para fazer ressurgir os militares, e com eles a direita tradicional, laica quando lhe convém, aliada de extremistas quando lhe dá jeito. Mas a intransigência da Irmandade Muçulmana em não coabitar com o laicismo, pode constituir a sua liquidação enquanto partido moderado de cariz religioso e reforçar o extremismo que tem latente. Um imbróglio perigoso.

É também por resultado da intransigência, da obstinação em derrubar a todo custo uma das poucas lideranças laicas da região, que aos poucos Bashar al-Assad consegue congregar à sua volta a população civil e “segura” o seu exército, o que não deixa de constituir uma derrota para a ultra reacionária Arábia Saudita e dos seus aliados, em especial os EUA, que não se incomodam com a total ausência de democracia neste país, enquanto a reclamam para a Síria, aonde pelo menos é possível professar qualquer outra região que não o islamismo, ao contrário do que sucede na Arábia Saudita onde só o Islão é permitido.  E uma derrota também para o estranho “socialista” Hollande que declara que "a França e a Arábia Saudita têm análises e posições convergentes" no que respeita à “necessidade” de derrubar Assad -  mas não só -, mesmo que para o efeito seja necessário armar a Al Qaeda… que combate afanosamente no Mali.
 
Na América Latina, os extremos atraem-se, e, se não houver a habilidade para conciliar interesses antagónicos das diversas classes - alguns deles não tão antagónicos quanto podem parecer à primeira vista -, os movimentos revolucionários podem ser minados de duas formas: por um lado, pelo crescimento duma camada de oportunistas que exploram as benevolências e ingenuidades revolucionárias criando brechas nas camadas mais pobres beneficiárias das reformas. Por outro, pelo exploração dos receios das chamadas classes médias, território no qual se abrigam e disfarçam os grandes interesses da direita (financeira e aliada das corporações multinacionais). Os arautos do retrocesso que, por inércia ideológica ou intencionalidade, permanecem nos “media” – cada vez mais influentes entre as multidões – exploram as mais pequenas contradições ou incidentes e camuflam ou baralham as grandes questões que requerem raciocínio arguto, incompatível com a evasão sistemática…


É o que parece estar a acontecer na Argentina onde a oposição ganha terreno nas principais regiões, ameaçando a liderança de Kirchner. O curioso - ou talvez não -, é que os principais adversários partem de setores próximos do kirchnerismo ou são dissidentes muito chegados a Kirchner. No Brasil a direita clássica, a poucos meses das eleições presidenciais, cavalga discretamente a onda de descontentamento, abrindo brechas na governação progressista, tirando partido das suas contradições, das suas fragilidades ideológicas, não hesitando em assumir valores caros à esquerda ou aos movimentos cristãos. Na Venezuela, a oposição procura ganhar a iniciativa imitando a agitação social do Brasil que contesta a corrupção. Os chavistas parecem estar mais argutos e marcam manifestações para o mesmo dia e com o mesmo móbil, mas, deviam ter sido eles a ter a iniciativa, deviam ter percebido que Caprilles e tudo o que se abriga à sua sombra, iria avançar por aí. Meia vitória de Maduro...

E podiam multiplicar-se os exemplos que estão em evidência em todos os continentes e pontos do globo. Claro está, Portugal não fica de fora. À esquerda e à direita as clivagens estão a ser exploradas numa perspetiva de ganhar uma quota maior de poder, para já, no próximo sufrágio, em setembro. Mas enquanto a direita se aglutina, em alguns casos assumindo um discurso de “esquerda”, a esquerda dispersa as suas energias acentuando as suas divergências, muitas delas puramente retóricas.

A situação atual é, uma vez mais – e desta vez mais dramaticamente -, escolher entre o mau e o menos mau, ou o abstencionismo, mais ou menos niilista, que vai crescendo entre nós. Sem dúvida que entre certos partidos, mais pelas suas lideranças do que pela sua base eleitoral, que “venha o diabo e escolha”… Mas o que importa são os resultados. As divergências à esquerda darão à direita, seguramente, uma vitória, mesmo que relativa. Para a direita, nas circunstâncias atuais, até um segundo lugar pode ser considerado uma vitória…


É pois altura de em pôr em prática a famosa política de alianças que todos os partidos fazem gáudio de possuir a melhor. O objetivo deve ser a convergência que garanta o sucesso do partido com mais condições de ganhar, independentemente das lideranças que existirem. Isto significa, bem entendido, uma grande capacidade, de assumir quando necessário uma subalternidade participativa mas também de engolir sapos…

É preciso entender: De líderes de que não se gosta, com maior ou menor dificuldade, o povo, mais tarde ou mais cedo, ver-se-á livre. Mas de tendências políticas, isso é sempre mais difícil  de lograr – como mostra a experiência recente -, uma vez postas em marcha, ou reforçadas.


Opções difíceis que os portugueses têm pela frente. Exigem sapiência, paciência e visão de futuro, mas que não aconselham as tais estratégias extremas, que tendem a reforçar o oposto do que preconizam. Quanto a sapos, que eu saiba, não há memória de que alguém tenha morrido com a sua ingestão. E alguns sapos engolidos foram bem maiores dos que agora andam por aí…

Daniel D. Dias

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Armas de destruição maciça



Há 68 anos – tinha eu nascido há menos de um mês - os EUA inauguravam a era das armas de destruição maciça fazendo explodir uma bomba atómica sobre a população civil duma cidade do sul do Japão, Hiroxima. Duma vez só estima-se que morreram 140 mil pessoas mas muitas mais continuariam a morrer nos anos subsequentes, até ao presente, vítimas do envenenamento atómico. Três dias depois uma outra bomba atómica seria lançada pelos americanos sobre a população de Nagasaki, cidade a umas centenas de quilómetros de Hiroxima, fazendo de imediato mais de 80 mil mortos, às quais se seguiriam idênticas sequelas. https://www.youtube.com/watch?v=ZDOZX9GaeO0

Na altura a Alemanha NAZI já aceitara a rendição incondicional ( a 8 de maio) e o Japão há vários meses procurava uma forma “honrosa” de se render – sempre rejeitada pelos EUA - e estava fora de questão que tencionasse prosseguir a guerra que na altura já era totalmente controlada pelos “aliados” – em especial pelos EUA e URSS - que estavam preocupados fundamentalmente em dividir o mundo em zonas de influência.

As bombas atómicas sobre o Japão foram pois uma manifestação de força dos EUA e um sinal para o mundo – na altura os EUA eram a única potência que dispunha dessa arma - em especial para a União Soviética, a grande vencedora do conflito mundial. Foram uma exibição brutal e gratuita de força que constitui até hoje a única aplicação concreta de armas de destruição maciça. O insuspeito general MacArthur, que comandou as tropas americanas no Pacífico afirmou em 1960 que “não havia qualquer necessidade militar para empregar a bomba atómica em 1945”.

Não espantoso observar que o país que inaugurou a nova era de terror nuclear se apresente ao mundo ainda hoje como o campeão da paz e da segurança e como o único merecedor de confiança para lidar com armas de destruição maciça e que, a pretexto delas e duma segurança da qual é uma das principais ameaça, se não mesmo a maior, não tenha parado de produzir e alimentar conflitos pelo mundo inteiro?

É bom que se assinale esta data para ajudar perceber, sobretudo aos mais novos, mas também a muitos “esquecidos”, a natureza do mundo em que vivemos.

Daniel D. Dias

sábado, 3 de agosto de 2013

Lição de Mandela


As sondagens “valem o que valem” e sem dúvida em alguns casos podem ser questionadas na sua oportunidade ou no seu rigor científico. Ainda assim é inegável que expressam a realidade que se vive e que a partir delas se pode prever o comportamento das pessoas com um certo grau de aproximação. Não é por acaso que a publicidade recorre sistematicamente a elas. Se não tivessem alguma valia certamente que há muito teriam sido abandonadas.

A situação não é diferente nas suas aplicações sociológicas e políticas. Admito que possam ser utilizadas como instrumento de manipulação, mas a experiência mostra que, no seu conjunto, as sondagens refletem aproximadamente as tendências da opinião pública. E é a partir deste pressuposto que faço esta reflexão.

A recente sondagem que apresenta o PS a 3 pontos do PSD é alarmante. Alarmante, bem entendido, para aquelas pessoas que se preocupam com o caminho desastroso que o país persegue, mas provavelmente reconfortante para aquelas que gostam de ”brincar aos pobrezinhos”, estimulante para as que aproveitam a “crise”, para enriquecer, para projetar aventuras políticas, prometedora para os querem ganhar o paraíso salvando almas sem grande investimento.

“Portugal parece que perdeu as sinapses. (…) Os portugueses estão com medo. Não protestam, não refilam, não contestam nem desfilam, como dizia uma canção do Godinho. Ou, numa versão mais séria e substantiva: não leem, não perguntam, não põem em causa, não exigem. Somos um país que tem um tiranete em cada cidadão. Um génio em cada BI. Um iluminado em cada NIF. Não temos cooperativas nem sabemos associar-nos. Quando o fazemos, fazemos mal. Temos campos com uma oliveira aqui, um sobreiro acolá, um pomar que gasta água e está mal tratado. E isso é-nos e parece-nos normal. O individualismo e o medo será a nossa desgraça. Porque Grécia, Itália e Espanha, com menos medo do que nós, estão em queda livre.” (cito Telmo Vaz Pereira)

 A situação é tanto mais alarmante quando se constata que em Portugal  ser de direita – não direita dos costumes, mas direita das negociatas, das trafulhices, do oportunismo - , não tem risco nem exige esforço, porque a esquerda existente não lhe faz frente adequada, persiste lidar com um povo idealizado, mitificado, um povo que em cada eleição perdida a favor da direita, diz ter-se  deixado enganar... A esquerda que temos, considera-se objetiva, realista, mas formula os seus projetos e estratégias na base dum povo idealizado, ignorando o quotidiano processo de liquidificação mental a que está submetido, operado por  Júlias, Gouchas, Fátimas, revistas Caras, Correios da Manhã, novelas mistificadoras,  e muitos, muitos,  Doutores, comentadores, conselheiros, etc. Mas, pior ainda, ignorando que o povo abriga, a par da sua natural nobreza de carater e do seu grande potencial humano, hábitos nocivos sustentados pela tradição, pela insegurança e pelo medo, como o individualismo, o egoísmo, a inveja…

As pessoas são o que são e não adianta queixarmo-nos dos seus defeitos, da sua ignorância, ou, pelo contrário, não reconhecê-los, ignorar a sua influência. Como dizia alguém “temos de ganhar a guerra com os soldados que temos”. Há que perceber que não se passa duma situação de imperfeição para uma situação ideal, por decreto ou pela força. É preciso dar um sinal de mudança e, simplesmente, começar a mudar. Enquanto a esquerda persistir em recriminar-se reciprocamente e de ser incapaz de se unir à volta questões essenciais, de programas políticos mínimos por exemplo, as perspetivas de derrotar esta direita prevaricadora e caricata que continua a assolar o país, continuarão a gorar-se, como, infelizmente, parecem apontar as recentes sondagens da Marktest…

Dirão: As sondagens pouco valem. São instrumentos da direita. Mas deviam ser entendidas como um aviso. Os tempos há muito que são propícios a políticas progressistas, à implantação de modelos económicos mais avançados que o atual capitalismo absurdamente especulativo, e, no entanto, as forças de direita que historicamente têm os dias contados, renascem, revigoram, voltando a mostrar os dentes, arrogantemente. Obviamente a razão fundamental está na falta de unidade da esquerda, disso não há dúvida. A história comprova-o.

Parece que a lição de Mandela, entre nós, ainda não foi aprendida. Mandela não hesitou em aprender Afrikaner – a língua do inimigo – para poder negociar com ele, para poder superá-lo. Mas entre nós nem a linguagem dos amigos se faz um esforço por aprender.

Daniel D. Dias