quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Evocando Aleixo


A ideia de que quem muito sabe – ou que julga saber - fica com o direito de escolher “ipso facto” o caminho dos outros é uma ideia muito antiga, ainda assim recorrente. A sua aplicação faz lembrar a anedota do escuteiro que devia fazer uma boa ação: ajudar uma velhinha a atravessar a rua. Mas como a velhinha não queria atravessar a rua o escuteiro não esteve com meias medidas e obrigou a velhinha a fazê-lo.

Este parece ser o comportamento dos atuais governantes: Eles é que sabem, e, quer o povo queira quer não, tem de se fazer o que eles mandam. Evocam a legitimidade que lhes confere a democracia – forma de regular o exercício da liberdade -, mas ignoram que essa legitimidade cessa quando é posta em causa a liberdade dos cidadãos, apoiantes ou opositores. Mesmo numa democracia formal, como aquela que vigora.

E a liberdade está posta em causa. Parafraseando Sérgio Godinho, só há liberdade (a sério) quando há paz, pão, habitação, saúde, educação e não é isso que acontece. Em Portugal a injustiça social persiste obstruindo a igualdade de oportunidades à nascença, suporte duma sã competividade que premeia os melhores e incentiva o aperfeiçoamento humano. O Estado Social, com todos os seus defeitos e virtudes, tem constituído a única forma de colmatar essa obstrução, ainda que de forma insuficiente. Este governo ao ameaçar o Estado Social e delapidar a estrutura produtiva, agrava a desigualdade entre os cidadãos, empobrece o país e compromete o futuro. Constitui por isso, uma ameaça à liberdade e põe em causa a democracia.

A nossa sociedade tem certamente erros estruturais e o nosso estado poderá precisar de ser revisto, refundado, ou seja lá o que for. Tudo isso talvez possa implicar sacrifícios e está mais que provado que as pessoas são capazes de os fazer. Mas só persistirão em fazê-los se acreditarem que valem a pena, que são justos, inevitáveis, que são o preço do progresso. Mas também, obviamente, na condição de confiarem em quem os governa. Ora nunca houve uma tão generalizada desconfiança numa governação. Só talvez na ditadura se atingiu tal “performance”.

O “gauleiter” Passos Coelho quer fazer crer que os desempregados, as empresas que soçobram à sua política ultratroikista, são vítimas de uma qualquer deficiência genética ou seleção natural. O seu sapiente governo ignora olimpicamente a desigualdade social à partida e faz questão de agravá-la. Foi eleito na base da mentira e persiste nela. Falhou todas as metas que se propôs alcançar. Nada cumpriu do que prometeu mas quer que o povo, à viva força, atravesse a “sua” rua, evocando a legitimidade democrática para o fazer.

Este governo, por mais que se torçam em argumentos a clique de comentadores e políticos bem comportados que o apoiam, perdeu toda a legitimidade democrática. É bom que desista de obrigar o povo às suas enviesadas travessias pois não lida com a velhinha nem persegue boas ações. Talvez não repare mas o povo é, de facto, “quem mais ordena”, e que em última instância é quem decide o seu destino. E em qualquer tempo é tempo para o mostrar.  Para tanto basta que o sábio dizer de Aleixo seja ouvido:


“Vós, que lá do vosso império
prometeis um mundo novo,
calai-vos, que pode o povo
querer um mundo novo a sério.


Há luta por mil doutrinas.
Se querem que o mundo ande,
façam das mil pequeninas
uma só doutrina grande.”


ddd

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Brechas



Acabo de ouvir uma boa parte da entrevista de Maria Flor Pedroso a Carlos Carvalhas, ex- secretário geral do PCP, e fico espantado. Então não é que C.C. reconhece, quase explicitamente, que Sócrates ia no caminho certo ao bater-se contra o pedido de intervenção estrangeira e que foi um erro chumbar o chamado PEC IV, que arrastou o país para a inevitabilidade desse pedido de intervenção?

É uma entrevista interessante que mostra que, apesar do habitual discurso monolítico de “esquerda impoluta” do PCP – do qual Carvalhas ainda não se livrou -, começam a abrir-se (boas) brechas. Ouvi o ex-secretário geral falar da de re industrialização, da política europeia, da economia,  tudo numa perspectiva integradora e já não apenas na habitual postura reivindicativa e contestatária.   Admitiu também a  possibilidade/necessidade de se formar um governo de emergência na base duma coligação do PCP-BE-PS, tal como propôs há dias o antigo e prestigiado dirigente do PCP, Carlos Brito, na festa de homenagem que várias entidades e personalidades lhe promoveram,  e à qual nenhum membro da atual direção do PCP se dignou estar presente.  

Sempre me fez confusão o porquê do partidos que se reclamam da esquerda – com exceção do PS -, deixarem o “capitalismo nas mãos do capitalismo”. A filosofia que defendem parece ser  “invistam lá que nós cá estamos para reclamar”. Será que a esquerda não pode empreender, fazer empresas que funcionem numa lógica mais humana e igualitária? Claro que pode. Acho que não o faz porque persiste em alimentar a velha ideia de que só é possível  praticar  a justiça social – construir uma sociedade mais justa – depois de conquistar o poder.

 Nada mais equívoco nos tempos que correm. Ao não apoiar o empreendedorismo, ao manifestar reservas e dúvidas quanto à criação de empresas, ao centrar a sua ação política quase exclusivamente numa só categoria de cidadãos – os assalariados -, acaba por perder a confiança dos próprios assalariados, coloca-se numa situação politicamente subalterna que a esmagadora maioria dos cidadão não aprecia.

ddd

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Fado dedicado à atual situação do país

Inspirado no fado de Anibal Nazaré "Tudo isto é Fado". Para cantar com a mesma música.

Perguntaste-me o outro dia
Se eu sabia o nosso estado
Eu disse que não sabia
E tu ficaste admirado

Temendo que te ofendesse
Eu menti naquela hora
Mas antes que me esquecesse
Decidi contar-te agora

(Refrão)
Gente esquecida,
Desaprendida
Do seu passado
Vive sonhando
e lamentando
Seu triste fado
Mas malta à espreita
Destas maleitas
Com muita manha
Impõe receitas
Pagas e feitas
Na Alemanha

Continuas sem saber
Porque vives neste estado
Eu respondo-te, é por querer
Cantar sempre o mesmo fado

Apesar do que te digo
Tu preferes quem te engana
Andas sempre distraído
Apoias qualquer sacana

(Refrão)
Gente esquecida…

Podes queixar-te e chorar
Que outra vida não terás
Se não começares a pensar
Que sem ti nada se faz

Os que dizem que o teu fado
É voltar à vida dura
São saudosos do passado
Amigos da ditadura

(Refrão)
Gente esquecida…

O trabalho dá proveitos
Que fornece a natureza
Esmolas, rácios, direitos
Não acabam com a pobreza

Não confies nos que ensinam
Como deves arriscar
E que um cheque nunca assinam
Dos que têm de pagar

(Refrão)
Gente esquecida…

Agora que te mostrei
As razões do teu estado
Antes de agir pensa bem
Muda a letra do teu fado

Faz de ti uma canção
Afina a tua guitarra
Está lá fora a multidão
P’ra cantar à desgarrada

(Refrão)
Gente esquecida…

Política não é profissão!


A política é um exercício de cidadania, tal como ser pai ou ser mãe. Implica deveres mas não direitos porque deve ser entendido como uma dádiva e uma honra que se compensa exclusivamente pela sua prática. A recompensa por ser pai ou por ser mãe está no cumprimento do dever de ajudar os filhos a crescer, saudáveis e felizes. A recompensa do exercício da política está no exercer o dever de cidadania de proteger e melhorar a vida dos cidadãos. A vida é ganha através do exercício duma profissão quando as pessoas estão em condições da exercerem. Se forem escolhidas para um cargo político devem ser remuneradas tal como estivessem a exercer essa profissão e nada mais que isso. Não deve haver nenhuma vantagem em exercer cargos políticos. O cidadão que não está disposto assumir estas responsabilidades sem compensações especiais não revela qualidades para exercer funções políticas.

É isto que tem de mudar enquanto antes. Acabar com essa coisa absurda que se chama "carreira política".

ddd