Através dum homónimo amigo, tomei conhecimento deste vídeo
https://www.facebook.com/RioConservador/videos/1807543399556145/ em que um
suposto professor de economia, referindo uma demonstração académica de um outro
PROFESSOR, põe em evidência, o porquê e a inevitabilidade do falhanço do
socialismo.
A demonstração é impecável – ou quase, já direi porquê -
porque segue uma lógica impactante, difícil de contestar.
Mas, como a temática é muito controversa e se presta a
enormes equívocos, proponho que apreciemos o discurso mais de perto.
Com a primeira parte da exposição, que é a parte mais substancial do
“experimento” do citado PROFESSOR, dificilmente alguém de bom senso e boa-fé
estará em desacordo. Talvez se estranhe a demonstração do “falhanço do
socialismo” por via duma analogia com métodos de distribuição de notas – não de
banco mas de resultados escolares -, como se de mercadorias se tratasse. Mas,
enfim, em ambiente académico, até parece aceitável. Sem dificuldade todos
concordaremos com o aviso do PROFESSOR, que tudo o que incentiva a preguiça –
preguiça que induz, debilita ou suprime, a sã competição e desfavorece a
distribuição justa, acrescento eu - é contrário à justiça social. É fácil de
aceitar e de compreender que numa sociedade justa as pessoas devam receber em
conformidade com o seu esforço e nível de competência, e jamais em resultado de
decretos governamentais que imponham arbitrariamente a distribuição da riqueza
produzida.
O discurso do PROFESSOR segue o pressuposto de que
socialismo é esse socialismo que impõe o igualitarismo por decreto ou à força
bruta, pondo ao mesmo nível, preguiçosos e trabalhadores, produtores e
parasitas. De facto esse tipo de práticas ocorreu várias vezes na história, por
muitas e variadas razões, algumas justificadas, outras abusivas. Porém, há que
reconhecê-lo, na sua génese a ideia de socialismo pouco ou nada tem a ver com
essa prática, excepto nas generalizações mais simplistas ou em situações
absolutamente excecionais, geralmente ocorridas em quadro de guerra. Mas é
verdade que ainda existe quem defenda esse modelo que, na prática, – pelo menos
em meu entender -, está nos antípodas do ideário socialista.
“Quando a recompensa é grande, disse o PROFESSOR, o esforço
pelo sucesso é grande, pelo menos para alguns de nós, mas quando o governo
elimina todas as recompensas, ao tirar dos outros sem seu consentimento, para
dar a outros que não batalharam por eles, então o fracasso é inevitável”.
Aqui a demonstração já não me parece tão impecável. Fazer
algo, produzir bens ou riqueza, deve ter recompensa mas não deve ser GRANDE nem
PEQUENA: apenas JUSTA. Quem se esforça ou contribui mais, com a sua
criatividade ou com o seu talento, pode, e talvez deva, obter maior compensação
nos resultados, mas essa compensação, por maior que seja, não deve ser
entendida como GRANDE ou PEQUENA, mas tão só como JUSTA. Ninguém se admira ou
escandaliza que um jogador que marca golos aufira mais que um jogador que os
não marca ou falta aos treinos…
Depois, não é ao governo que compete recompensar, mas aos
intervenientes no próprio processo de produção. Eles, através da regulação
imposta pelo mercado, é que estão em condições de decidir a forma de distribuir
os resultados, de premiar ou penalizar o esforço.
“É impossível levar o pobre à prosperidade através de
legislações que punem os ricos pela (sua) prosperidade. Cada pessoa que recebe
sem trabalhar, outra pessoa deve trabalhar sem receber. O governo não pode dar
para alguém aquilo que tira de outro alguém”.
O PROFESSOR, nesta altura, simplificando, revela-se
tendencioso. Em primeiro lugar não tem em consideração as várias formas de ser
rico. Lembro algumas: pessoas ricas por nascimento; pessoas ricas porque
participam em processos especulativos pelos quais lucram sem que exerçam o que
possa considerar-se atividade produtiva; pessoas ricas em resultado do
exercício de alguma atividade altamente especializada; pessoas ricas em
resultado duma capacidade ou de talentos invulgares e raros; pessoas ricas em
resultado de atos ilícitos ou da prática de corrupção e abuso do poder…
Por aqui se pode inferir que há riqueza legítima e riqueza
ilegítima; que há riqueza que pode incentivar o processo produtivo e outra que
pode paralisá-lo; que há riqueza que gera mais riqueza e que há riqueza que
gera mais pobreza. Mas o PROFESSOR trata a questão da riqueza como um axioma
moral, de natureza quase bíblica, ignorando que a riqueza também pode – e deve
- ser avaliada segundo a sua génese, e resume tudo, toda a complexa economia
mundial, à existência de trabalhadores produtivos versus trabalhadores
preguiçosos. Claro, também existe esse problema mas a questão da justiça na
distribuição da riqueza está muito longe de se resumir a este desiderato.
Depois o PROFESSOR parece desconhecer que poucos governos no
mundo atual pagam remunerações a trabalhadores. Há obviamente, a classe dos
funcionários públicos, mas mesmo esses raramente são “empregados do governo” ou
têm um só “patrão”, e quase nunca têm uma “folha de vencimentos” comum. De
qualquer modo estão muito longe de constituir o grosso dos trabalhadores que
habita o planeta produtivo.
“Quando metade da população entende que a ideia de que não
precisa de trabalhar pois a outra metade da população irá sustentá-la, e quando
essa entende que não vale a pena sustentar a primeira metade, então chegamos ao
início do fim da nação. É impossível multiplicar a riqueza dividindo-a”. Remata
o PROFESSOR, categórico, quase apocalítico.
Mas está enganado, PROFESSOR. O PROFESSOR zurze com razão
num arcaico método de distribuição (divisão) da riqueza. Mas esse método, hoje
em dia, não passa de uma ideia feita, de um resquício dum passado distante, que
só se persiste em chamar à colação como “socialista”, porque sendo
disfuncional, é um álibi de grande valia para o ideário economicista, dito
neoliberal, que há várias décadas vigora no planeta agravando as desigualdades
sociais. É um ideário que defende a distribuição da riqueza segundo o critério
da competência (competitividade). Pretende ser justo, talvez pareça justo e
seria bom que o fosse: que fosse uma via credível, como os seus adeptos
defendem, para a almejada justiça social…
Mas infelizmente não é, PROFESSOR. É sobretudo um pretexto
para impor certas políticas, dum certo darwinismo social que há muito se
julgava erradicado mas que parece ter renascido das cinzas da história. Falta
algo a este ideário para que a competitividade produza resultados justos.
Competitividade sem igualdade de condições à partida, - igualdade de
oportunidades à nascença - não funciona. É uma farsa, hipócrita, com trágicas
consequências.
O PROFESSOR sabe que a competitividade é o melhor método
conhecido para assegurar uma distribuição da riqueza produzida segundo o
esforço e competência despendidos por cada cidadão produtor, mas omitiu algo
fundamental. Que não há competição justa sem que esteja garantida à partida –
i.e., logo à nascença - condições de igualdade de oportunidades.
Não se pode esperar que filhos de famílias desestruturadas,
gente subnutrida, doentes, gente sem habitação, gente sem preparação escolar,
tenha a mesma performance competitiva de quem não padece de nenhuma dessas
limitações. Por isso o Estado, através dos seus governos deve gerir a riqueza
pública no sentido de garantir as mesmas condições-base para todos.
Não se trata de roubar a uns para dar a outros ou de
descriminar trabalhadores. Trata-se de criar condições para que cada cidadão,
independentemente da sua origem, género, raça ou condição social, esteja em situação
de igualdade na vida adulta para competir na atividade produtiva. É por isso
que, saúde, ensino, alimentação, habitação, segurança, - elementos daquilo que
geralmente se designa por Estado Social - devem ser efetivos, universais,
iguais para todos e da melhor qualidade possível. Sobretudo nas fases
estruturantes da vida – infância e juventude.
Se forem implementadas estas condições básicas de
sobrevivência extensivas a todos os cidadãos - a tal igualdade de condições à
partida - a competitividade terá, a curto ou médio prazo, resultados mais
consistentes e a riqueza aumentará. A experiência em países mais avançados na
prática do Estado Social comprovam isso. E hoje há condições matérias mais que
suficientes para concretizar esse objetivo. Sem perseguir ou roubar ninguém.
E, por ora, mais não digo. Também “encerro aqui a minha
aula”, PROFESSOR.
Daniel D. Dias