Perguntam-me pela idade e
não sei bem como responder. Qual idade? A que aparento? A que o Cartão de
Cidadão regista? É que, em bom rigor, convivem várias idades nesta carcaça que
habito há tanto tempo. Exemplifico:
Alguns dos meus ossos são,
sem dúvida, muito velhos, e, pior do que isso, portam-se mal, desafinam,
incomodam. Mas outros não tanto, nem dou por eles. Ainda estão razoavelmente
ágeis. Diria que tenho ossos com oitenta, ou mesmo noventa anos, e outros com
quarenta, quarenta e cinco.
Os músculos – ah, a carne
- os músculos são tanta coisa… Num balanço global, diria que alguns perderam a
elasticidade mas não a força e que outros perderam as duas coisas. Mas seria
injusto não reconhecer que alguma dessa carne – pouca, diga-se - está como
estava há vinte ou trinta anos. E se em algumas partes do corpo o músculo
perdeu vigor. Noutras – infelizmente não na que pensais – ganhou força. Apertem
a mão de um velho saudável e surpreendam-se.
Os dentes, do uso, dos
abusos, envelheceram muito, mas, no meu caso ainda vão funcionando: Dão para os
gastos. Uns terão a idade do meu CC, enquanto outros já se finaram. Em
contrapartida o meu olfato modernizou-se. Não diria que é mais novo mas que
recuperou virtualidades juvenis. A língua – que, como sabeis, é dos órgãos mais
ecléticos do nosso corpo – mantem potenciais agilidades e virtudes que já pouco
utiliza. Diria que se conserva bastante bem e que o seu “savoir-vivre”
melhorou. A falar não tropeça (e às vezes bem dava jeito que tropeçasse...)
e aprecia melhor agora acepipes - requintados
ou singelos - que há vinte ou trinta anos quase ignorava.
Que dizer dos olhos?
Porta da alma, luz do rosto… Depende do tempo, dos dias. Às vezes estão
espertos, perspicazes, sabedores. Ficam ágeis, juvenis. Noutras, nada veem, ou
recusam-se a ver. Nessas alturas terão mais de noventa, seguramente. Mas
sinto-os frequentemente muito novos, vigorosos, capazes de ver coisas que só
crianças pequenas conseguem observar. Mais dioptrias, claro, mas muito menos
argueiros.
E as mãos? As mãos estão
mais precisas, mais rigorosas. Talvez porque a minha vida agora é mais
comedida, mais parcimoniosa, quase não tremo. Neste domínio fiquei francamente
mais novo.
Mas o nervo, a
cachimónia, a mioleira? - quererão saber. Perdoem-me se vos pareço petulante, mas
acho que neste domínio tenho rejuvenescido - e de que maneira. Claro, às vezes
dou sinais de maturidade, o que pode confundir-se com senilidade. Mas não é a
mesma coisa. Por exemplo, a capacidade de recusar algo agradável do outro lado
da rua só para evitar o trabalho – e a frustração - do retornar ao ponto de
partida… é, pode ser, um sinal dessa maturidade. Resumindo: A mente vai ficando
mais leve, mais clara, mais paciente, talvez mais sábia. Estou mais desperto e
tenho mais vontade de aprender, sabiam disso? É a pura realidade mas não sei quantos
anos atribuir a esta performance.
O ser humano é um bicho
estranho. Diferente em muitas coisas dos outros animais. Por exemplo na questão
da idade é o único que conta o tempo que permanece vivo e dá importância a
isso. Mas também é o único que não morre duma vez só e que envelhece por
partes. Um gato, ou uma galinha, se ficam velhos, ficam velhos por igual. A
cegueira ou a surdez nas suas velhices, por exemplo, é o prelúdio da morte. A
decadência neles prossegue por igual. Mas nos humanos – salvo alguns que eu conheço
que parece já terem nascido velhos… – pode não ser assim e muitas vezes parece
ser mesmo o contrário. Beethoven escreveu as suas obras mais relevantes quando
estava a sofrer uma surdez irreversível. O mesmo aconteceu com Jorge Luis Borges com a sua
progressiva cegueira.
Que idade tenho, temos?
Em rigor tenho, temos, várias. Concordam comigo?
Daniel D. Dias
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