segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Que idade ou idades tenho?





Perguntam-me pela idade e não sei bem como responder. Qual idade? A que aparento? A que o Cartão de Cidadão regista? É que, em bom rigor, convivem várias idades nesta carcaça que habito há tanto tempo. Exemplifico:

Alguns dos meus ossos são, sem dúvida, muito velhos, e, pior do que isso, portam-se mal, desafinam, incomodam. Mas outros não tanto, nem dou por eles. Ainda estão razoavelmente ágeis. Diria que tenho ossos com oitenta, ou mesmo noventa anos, e outros com quarenta, quarenta e cinco.
Os músculos – ah, a carne - os músculos são tanta coisa… Num balanço global, diria que alguns perderam a elasticidade mas não a força e que outros perderam as duas coisas. Mas seria injusto não reconhecer que alguma dessa carne – pouca, diga-se - está como estava há vinte ou trinta anos. E se em algumas partes do corpo o músculo perdeu vigor. Noutras – infelizmente não na que pensais – ganhou força. Apertem a mão de um velho saudável e surpreendam-se. 

Os dentes, do uso, dos abusos, envelheceram muito, mas, no meu caso ainda vão funcionando: Dão para os gastos. Uns terão a idade do meu CC, enquanto outros já se finaram. Em contrapartida o meu olfato modernizou-se. Não diria que é mais novo mas que recuperou virtualidades juvenis. A língua – que, como sabeis, é dos órgãos mais ecléticos do nosso corpo – mantem potenciais agilidades e virtudes que já pouco utiliza. Diria que se conserva bastante bem e que o seu “savoir-vivre” melhorou. A falar não tropeça (e às vezes bem dava jeito que tropeçasse...) e  aprecia melhor agora acepipes - requintados ou singelos - que há vinte ou trinta anos quase ignorava. 

Que dizer dos olhos? Porta da alma, luz do rosto… Depende do tempo, dos dias. Às vezes estão espertos, perspicazes, sabedores. Ficam ágeis, juvenis. Noutras, nada veem, ou recusam-se a ver. Nessas alturas terão mais de noventa, seguramente. Mas sinto-os frequentemente muito novos, vigorosos, capazes de ver coisas que só crianças pequenas conseguem observar. Mais dioptrias, claro, mas muito menos argueiros.

E as mãos? As mãos estão mais precisas, mais rigorosas. Talvez porque a minha vida agora é mais comedida, mais parcimoniosa, quase não tremo. Neste domínio fiquei francamente mais novo.
Mas o nervo, a cachimónia, a mioleira? - quererão saber. Perdoem-me se vos pareço petulante, mas acho que neste domínio tenho rejuvenescido - e de que maneira. Claro, às vezes dou sinais de maturidade, o que pode confundir-se com senilidade. Mas não é a mesma coisa. Por exemplo, a capacidade de recusar algo agradável do outro lado da rua só para evitar o trabalho – e a frustração - do retornar ao ponto de partida… é, pode ser, um sinal dessa maturidade. Resumindo: A mente vai ficando mais leve, mais clara, mais paciente, talvez mais sábia. Estou mais desperto e tenho mais vontade de aprender, sabiam disso? É a pura realidade mas não sei quantos anos atribuir a esta performance.

O ser humano é um bicho estranho. Diferente em muitas coisas dos outros animais. Por exemplo na questão da idade é o único que conta o tempo que permanece vivo e dá importância a isso. Mas também é o único que não morre duma vez só e que envelhece por partes. Um gato, ou uma galinha, se ficam velhos, ficam velhos por igual. A cegueira ou a surdez nas suas velhices, por exemplo, é o prelúdio da morte. A decadência neles prossegue por igual. Mas nos humanos – salvo alguns que eu conheço que parece já terem nascido velhos… – pode não ser assim e muitas vezes parece ser mesmo o contrário. Beethoven escreveu as suas obras mais relevantes quando estava a sofrer uma surdez irreversível. O mesmo aconteceu com Jorge Luis Borges com a sua progressiva cegueira.

Que idade tenho, temos? Em rigor tenho, temos, várias. Concordam comigo?


Daniel D. Dias

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