segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Entendendo o socialismo, ou talvez não






Através dum homónimo amigo, tomei conhecimento deste vídeo https://www.facebook.com/RioConservador/videos/1807543399556145/ em que um suposto professor de economia, referindo uma demonstração académica de um outro PROFESSOR, põe em evidência, o porquê e a inevitabilidade do falhanço do socialismo.
A demonstração é impecável – ou quase, já direi porquê - porque segue uma lógica impactante, difícil de contestar.

Mas, como a temática é muito controversa e se presta a enormes equívocos, proponho que apreciemos o discurso mais de perto.
 
Com a primeira parte da exposição, que é a parte mais substancial do “experimento” do citado PROFESSOR, dificilmente alguém de bom senso e boa-fé estará em desacordo. Talvez se estranhe a demonstração do “falhanço do socialismo” por via duma analogia com métodos de distribuição de notas – não de banco mas de resultados escolares -, como se de mercadorias se tratasse. Mas, enfim, em ambiente académico, até parece aceitável. Sem dificuldade todos concordaremos com o aviso do PROFESSOR, que tudo o que incentiva a preguiça – preguiça que induz, debilita ou suprime, a sã competição e desfavorece a distribuição justa, acrescento eu - é contrário à justiça social. É fácil de aceitar e de compreender que numa sociedade justa as pessoas devam receber em conformidade com o seu esforço e nível de competência, e jamais em resultado de decretos governamentais que imponham arbitrariamente a distribuição da riqueza produzida.

O discurso do PROFESSOR segue o pressuposto de que socialismo é esse socialismo que impõe o igualitarismo por decreto ou à força bruta, pondo ao mesmo nível, preguiçosos e trabalhadores, produtores e parasitas. De facto esse tipo de práticas ocorreu várias vezes na história, por muitas e variadas razões, algumas justificadas, outras abusivas. Porém, há que reconhecê-lo, na sua génese a ideia de socialismo pouco ou nada tem a ver com essa prática, excepto nas generalizações mais simplistas ou em situações absolutamente excecionais, geralmente ocorridas em quadro de guerra. Mas é verdade que ainda existe quem defenda esse modelo que, na prática, – pelo menos em meu entender -, está nos antípodas do ideário socialista.

“Quando a recompensa é grande, disse o PROFESSOR, o esforço pelo sucesso é grande, pelo menos para alguns de nós, mas quando o governo elimina todas as recompensas, ao tirar dos outros sem seu consentimento, para dar a outros que não batalharam por eles, então o fracasso é inevitável”.

Aqui a demonstração já não me parece tão impecável. Fazer algo, produzir bens ou riqueza, deve ter recompensa mas não deve ser GRANDE nem PEQUENA: apenas JUSTA. Quem se esforça ou contribui mais, com a sua criatividade ou com o seu talento, pode, e talvez deva, obter maior compensação nos resultados, mas essa compensação, por maior que seja, não deve ser entendida como GRANDE ou PEQUENA, mas tão só como JUSTA. Ninguém se admira ou escandaliza que um jogador que marca golos aufira mais que um jogador que os não marca ou falta aos treinos…
Depois, não é ao governo que compete recompensar, mas aos intervenientes no próprio processo de produção. Eles, através da regulação imposta pelo mercado, é que estão em condições de decidir a forma de distribuir os resultados, de premiar ou penalizar o esforço.

“É impossível levar o pobre à prosperidade através de legislações que punem os ricos pela (sua) prosperidade. Cada pessoa que recebe sem trabalhar, outra pessoa deve trabalhar sem receber. O governo não pode dar para alguém aquilo que tira de outro alguém”.

O PROFESSOR, nesta altura, simplificando, revela-se tendencioso. Em primeiro lugar não tem em consideração as várias formas de ser rico. Lembro algumas: pessoas ricas por nascimento; pessoas ricas porque participam em processos especulativos pelos quais lucram sem que exerçam o que possa considerar-se atividade produtiva; pessoas ricas em resultado do exercício de alguma atividade altamente especializada; pessoas ricas em resultado duma capacidade ou de talentos invulgares e raros; pessoas ricas em resultado de atos ilícitos ou da prática de corrupção e abuso do poder…

Por aqui se pode inferir que há riqueza legítima e riqueza ilegítima; que há riqueza que pode incentivar o processo produtivo e outra que pode paralisá-lo; que há riqueza que gera mais riqueza e que há riqueza que gera mais pobreza. Mas o PROFESSOR trata a questão da riqueza como um axioma moral, de natureza quase bíblica, ignorando que a riqueza também pode – e deve - ser avaliada segundo a sua génese, e resume tudo, toda a complexa economia mundial, à existência de trabalhadores produtivos versus trabalhadores preguiçosos. Claro, também existe esse problema mas a questão da justiça na distribuição da riqueza está muito longe de se resumir a este desiderato.
Depois o PROFESSOR parece desconhecer que poucos governos no mundo atual pagam remunerações a trabalhadores. Há obviamente, a classe dos funcionários públicos, mas mesmo esses raramente são “empregados do governo” ou têm um só “patrão”, e quase nunca têm uma “folha de vencimentos” comum. De qualquer modo estão muito longe de constituir o grosso dos trabalhadores que habita o planeta produtivo.

“Quando metade da população entende que a ideia de que não precisa de trabalhar pois a outra metade da população irá sustentá-la, e quando essa entende que não vale a pena sustentar a primeira metade, então chegamos ao início do fim da nação. É impossível multiplicar a riqueza dividindo-a”. Remata o PROFESSOR, categórico, quase apocalítico.

Mas está enganado, PROFESSOR. O PROFESSOR zurze com razão num arcaico método de distribuição (divisão) da riqueza. Mas esse método, hoje em dia, não passa de uma ideia feita, de um resquício dum passado distante, que só se persiste em chamar à colação como “socialista”, porque sendo disfuncional, é um álibi de grande valia para o ideário economicista, dito neoliberal, que há várias décadas vigora no planeta agravando as desigualdades sociais. É um ideário que defende a distribuição da riqueza segundo o critério da competência (competitividade). Pretende ser justo, talvez pareça justo e seria bom que o fosse: que fosse uma via credível, como os seus adeptos defendem, para a almejada justiça social…

Mas infelizmente não é, PROFESSOR. É sobretudo um pretexto para impor certas políticas, dum certo darwinismo social que há muito se julgava erradicado mas que parece ter renascido das cinzas da história. Falta algo a este ideário para que a competitividade produza resultados justos. Competitividade sem igualdade de condições à partida, - igualdade de oportunidades à nascença - não funciona. É uma farsa, hipócrita, com trágicas consequências.

O PROFESSOR sabe que a competitividade é o melhor método conhecido para assegurar uma distribuição da riqueza produzida segundo o esforço e competência despendidos por cada cidadão produtor, mas omitiu algo fundamental. Que não há competição justa sem que esteja garantida à partida – i.e., logo à nascença - condições de igualdade de oportunidades.

Não se pode esperar que filhos de famílias desestruturadas, gente subnutrida, doentes, gente sem habitação, gente sem preparação escolar, tenha a mesma performance competitiva de quem não padece de nenhuma dessas limitações. Por isso o Estado, através dos seus governos deve gerir a riqueza pública no sentido de garantir as mesmas condições-base para todos.

Não se trata de roubar a uns para dar a outros ou de descriminar trabalhadores. Trata-se de criar condições para que cada cidadão, independentemente da sua origem, género, raça ou condição social, esteja em situação de igualdade na vida adulta para competir na atividade produtiva. É por isso que, saúde, ensino, alimentação, habitação, segurança, - elementos daquilo que geralmente se designa por Estado Social - devem ser efetivos, universais, iguais para todos e da melhor qualidade possível. Sobretudo nas fases estruturantes da vida – infância e juventude.

Se forem implementadas estas condições básicas de sobrevivência extensivas a todos os cidadãos - a tal igualdade de condições à partida - a competitividade terá, a curto ou médio prazo, resultados mais consistentes e a riqueza aumentará. A experiência em países mais avançados na prática do Estado Social comprovam isso. E hoje há condições matérias mais que suficientes para concretizar esse objetivo. Sem perseguir ou roubar ninguém.

E, por ora, mais não digo. Também “encerro aqui a minha aula”, PROFESSOR.

Daniel D. Dias

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