quinta-feira, 7 de junho de 2012



Passeio




Vagueio pelas ruas - absorto

A ruminar ideias mal digeridas.

Vislumbro a turba que passa

e só uma ou outra linha corporal mais torneada

interrompe a minha apatia



Estou só na cidade
Rodeado de objetos reluzentes
De panos macios
De palcos de vidraça
De néons gelatinosos
De olhares faiscando dispersos


Tudo se move apressado
Tudo é espreitado, nada visto
Não há sombra
Adivinha-se o negro nas esquinas
Mas a sombra é proibida
Este é um tempo sem sombras
De projetores a cobrir cada movimento.


O aroma da cidade é agridoce
De plástico que a nada se cola
Passeio no meio de corpos vazios
Que só conservam a forma
E não se preocupam com isso

Ouvem-se vozes mas ninguém fala
É um mundo de silencio ruidoso, sem discursos
Os discursos são próprios dos bêbados Ou dos loucos, ou dos que perderam o controle
Claro: há o futebol e os concertos
Mas aí não se fala nem se grita
Esvazia-se o ar dos pulmões numa rotina sensual
À procura desse orgasmo massificado
Gerado nos laboratórios do marketing relacional

Sento-me para saber ao que ando
“Distrai-te, convive, sai,” ouço lá ao longe…
Sou um estrangeiro  numa Tebas distante
Rodeado de alamedas de esfinges mudas


Estou cansado
Apercebo-me melhor do frenesim da cidade:
Tenho aí  prova inequívoca da existência humana
uma existência tão anónima como a minha
mais estranha  que estrangeira,
fugaz, tímida, obscura
que não quer ver-se reconhecida
mas que procura a todo o custo
vislumbrar o seu reflexo


Afinal não estou só:
Outros estrangeiros vagueiam por aí.

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